Um homem morreu asfixiado dentro de uma mala, colocada no porta-bagagens de um automóvel, quando tentava entrar em Espanha. O homem é mais um africano a fugir da miséria e à procura de vida menos intolerável na Europa. O mundo não se indigna. Esse mesmo mundo que vive a colocar likes e a comentar nas redes sociais não se indigna. Indignou-se, sim, mas com a morte de Cecil – um leão, na selva do Zimbabwe. Estranho e perigoso mundo, o nosso. Não que não seja de lamentar a morte de um animal indefeso, abatido apenas para saciar o desejo de prazer de alguém, de vastos haveres, para participar em campanhas de caça na selva africana. Porém, a tragédia humana, todos os dias ao nosso lado, devia fazer-nos perguntar: para onde vamos quando fechamos as portas aos nossos irmãos, nascidos no lado “errado” do mundo. Até agora ouvíamos relatos de gente que perdia a vida no mar ao tentar entrar na Grécia e na Itália. A situação conduziu a reuniões de emergência e a decisões piedosas de acolher uns milhares de refugiados. Nada que preocupasse verdadeiramente a poderosa Europa. O problema era sobretudo da bacia do mediterrâneo, esse local mítico que viu nascer várias civilizações. Tudo mudou. De repente o problema transferiu-se da Europa dos pobres, subjugada aos desígnios dos poderosos do Norte, para as portas da velha Inglaterra. O civilizado Cameron, mostrou o seu verdadeiro ser: para combater a praga, quais insetos que destruíam as culturas do antigo Egipto, anunciou mais cães e cercas por forma a travar os imigrantes. E o mundo não se indigna. O que vive nas redes sociais e o outro, o mundo real. Só neste fim de semana mais de seis mil foram travados. Na Hungria, onde se constrói um muro com o único objectivo de lhes barrar a entrada, e no túnel da Mancha, a partir de Calais, onde homens, na maioria jovens, desafiam a morte enfiando-se em camiões frigoríficos e enfrentando a polícia – simplesmente porque já nada têm a perder. Cecil morreu, os imigrantes até do nome estão privados. Não são alvo da onda de indignação que tomou conta de muitos milhares, preocupados com as crias, com o irmão de Cecil. Os homens de Calais deixaram para trás mulheres e filhos, prometendo-lhes voltar e levá-los de encontro a um mundo civilizado, dos direitos humanos, multi-cultural, da liberdade, fraternidade e igualdade. Que mundo é esse?
Paula Ferreira
Opinião JN 04.08.2015