O país tem assistido, incrédulo e apreensivo, à perda sistemática de controlo nacional e à enorme destruição de valor, de grandes unidades produtivas e financeiras, que foram objecto de privatização.
Neste momento, o país só controla duas grandes unidades privatizadas, a Galp e a Portucel.
Perdeu, com enorme destruição de valor, o controlo de grupos com presença internacional, a Cimpor e a PT e deixou de controlar, a REN, a EDP, o banco BPI, e o Santander que adquiriram os bancos públicos BFN, BFB e BPSM, e o banco BES, também objecto de privatização.
Seguir-se-á, em minha opinião, a curto prazo, a perda de controlo dos CTT e da TAP.
Contrariamente ao que se passa na nossa vizinha Espanha, que detém um parque produtivo e financeiro, robusto, internacionalizado e controlado por entidades espanholas, o nosso país ficará reduzido, em breve, à posse e ao controlo de PME, pondo em causa, dum modo definitivo e estrutural, a sua capacidade competitiva.
O que é que correu mal? Como é que chegámos a esta situação?
Vou tentar partilhar uma reflexão que corresponde à minha visão sobre as bases desta estratégia errada.
A primeira razão foi a pressa. A urgência em obter receitas para o Estado, que este rapidamente delapidou em despesas correntes.
A segunda razão foi ideológica. O fascínio pelo modelo inglês, em detrimento dos modelos espanhol ou italiano, como se Portugal tivesse a dimensão, a cultura empresarial, o posicionamento geográfico e o mercado financeiro de Inglaterra.
E, assim, se extinguiu apressadamente o IPE, que geria as participações públicas em unidades de referência.
A terceira razão tem que ver com o processo.
Numa 1.ª fase, em que se privatizavam 25% do capital, a empresa melhorava a sua eficiência com a gestão privada.
Numa 2.ª fase, em que se privatizava até 49%, prosseguiam as melhorias operacionais e o afluxo de capitais próprios permitia um reforço do processo de internacionalização.
Os problemas iniciam-se na 3.ª fase, em que o Estado perde a maioria do capital, sem uma reflexão adequada e profunda sobre o posicionamento estratégico futuro da empresa e a distribuição e o controlo do capital.
Este facto permitiu que um pequeno bloco de accionistas privados assumisse integralmente a gestão da empresa, passando a utilizá-la em seu benefício próprio, sem qualquer preocupação de posicionamento estratégico a longo prazo e sem a oposição do Estado.
A quarta e última fase reduzia-se, assim, à obtenção de receitas para o Estado que tinha já abdicado do controlo accionista e de gestão. Os grupos privados dominantes iniciavam o processo de alienação da empresa a grupos empresariais internacionais, maximizando os seus proveitos próprios.
Não existe qualquer surpresa neste processo, trata-se do mercado a funcionar.
E chegamos à situação actual. Uma tragédia nacional. Sem empresas de referência com capacidade de inovação, de desenvolvimento tecnológico e de afirmação internacional, que possam funcionar como escolas de engenharia e de gestão.
Os nossos filhos mais promissores terão de emigrar, não por falta de emprego, mas por ausência de empresas onde aprendam e cresçam profissionalmente, como nós tivemos.
Teremos de viver com este peso nas nossas consciências.
Luís Todo Bom
Prof. Associado Convidado do ISCTE Business School