Almaraz: Ainda pior do que parece

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Na reunião dos parlamentos ibéricos, Ferro Rodrigues fez bem em recolocar o tema da central nuclear espanhola de Almaraz no lugar certo: o problema não reside na construção de novas instalações para armazenamento de resíduos, mas sim no seu verdadeiro significado. Os técnicos do Ministério português do Ambiente que visitaram as instalações de Almaraz ajudaram a criar uma falsa imagem de tranquilidade. O que importa é saber se o governo de Madrid vai ou não autorizar o prolongamento do ciclo de vida dos dois reatores de Almaraz por mais 20 anos. Por muito que Lisboa precise de Madrid para a frente comum contra os talibãs do Tratado Orçamental, que estão a asfixiar o projeto europeu, a segurança das populações dos dois lados da fronteira, face à ameaça radioativa, não pode ser moeda de troca.

Existem hoje 130 reatores nucleares operacionais em 14 dos 28 países da União Europeia (são 447 em todo o mundo). Mesmo de acordo com a World Nuclear Association, o negócio a nível mundial vai medíocre. Na Europa está mesmo em claro declínio. De acordo com a Comissão Europeia (CE), até 2025 cerca de 40 reatores da UE chegarão ao fim do seu ciclo de vida útil. O problema é que o processo de desmantelamento de um reator nuclear está carregado de custos e incertezas. A experiência de 105 reatores comerciais que já foram ou estão em decommissioning mostra que os custos tendem a ser muito superiores ao da própria construção, num processo que se estende pelas gerações futuras (a CE estima em 30 anos o tempo médio para a desativação de um reator). Os custos também são variáveis, baseados em critérios pouco claros. O Reino Unido calcula entre 109 e 250 mil milhões de euros o preço do desmantelamento de 17 reatores nucleares ao longo de 120 anos (!). Já a Alemanha, que depois do acidente de Fukushima assumiu a sua rutura com este tipo de energia, guardou 38 mil milhões, também para 17 reatores. O poderoso império energético gaulês (EDF) consegue um preço de saldo: tem 23 mil milhões amealhados para 58 reatores…O lóbi do nuclear perdeu a batalha da história. O futuro da energia não passará pela cisão ou fusão de átomos, deixando um rasto ignóbil de contaminação por dezenas de milhares de anos, mas sim por domesticar a incomensurável e inofensiva energia do vento, do sol, do mar, da geotermia, como já ocorre numa progressão cada vez mais geométrica. Infelizmente, o lóbi do nuclear não perdeu a batalha da política e ainda manda em muitos governos.

O que está em causa em Almaraz é o mesmo que acontece com os 75 reatores nos EUA ou os 34 reatores em França que foram autorizados a prolongar a sua vida industrial por mais 20 anos (de 40 para 60 anos). O negócio é duplo. Adiam os gigantescos custos de encerramento. Amealham lucros inesperados (e indevidos). O problema é que os benefícios privados são conseguidos à custa do aumento exponencial dos riscos públicos. A central de Fukushima foi construída numa zona costeira conhecida pela sua vulnerabilidade a tsunamis, por isso os reatores foram protegidos por um paredão de 5,7 m de altura. Infelizmente, a vaga de 11 de março de 2011 tinha 14 m e provocou talvez o mais brutal acidente histórico do género. A justificação dos donos da central foi esta: uma onda de 14 m tinha a probabilidade de ocorrer apenas uma vez em mil anos, e aumentar mais a segurança iria assustar o público! É com gente deste calibre moral que estamos a lidar, também em Almaraz. Temos o dever de, ao menos, não fazermos figura de tolos.

Viriato Seromenho-Marques
DN Opinião 24.05.2017