Com ele, não há reformado que não saiba como vai ser, de cada vez, (des)tratado. Maltratados são sempre – porque foram grupo escolhido para “pagar as favas” daquilo a que um dia os nossos mandantes chamaram “crise”. Crise seria, se para acabar tivesse dia… Ora, os reformados têm muito pouco tempo – e este governo escolheu “roubar-lhes” até esse tempo, deixando-os sem descanso. Além do IRS e respectiva sobretaxa sobre as pensões, este governo sobrecarrega os reformados com as contribuições ditas de “solidariedade” ou de “sustentabilidade”. Seria como os trabalhadores descontarem parte do seu salário para ajudar os patrões a pagar esse mesmo salário que lhes é devido.
Este projecto de reforma do IRS, sob o pretexto politicamente correcto, e que cai bem na opinião pública, de apoio à natalidade, constitui “en passant” mais um passo na ofensiva contra os reformados. Na verdade, tratando-se de uma medida fiscalmente neutra – isto é, que não pode traduzir-se em diminuição da receita fiscal – , se se pretende bonificar fiscalmente os agregados familiares com mais filhos, alguém há-de pagar, com agravamento fiscal, essa mesma bonificação. Serão, em primeira linha, mais uma vez, os reformados, que já não têm filhos em idade fiscalmente relevante para inclusão no agregado – mas que realmente o integram, dada a prevalência de jovens famílias que, caídos no desemprego os seus membros e penhorada a casa pelos bancos, regressam, agora com filhos, a casa dos pais. Casa onde residem ainda, muitas vezes, os avós.
Esses pais, e avós, que acolhem em sua casa e sustentam os seus próprios pais, os seus filhos e os seus netos, a quem pagam a creche ou o jardim de infância, as actividades extra-curriculares ou a natação, não só não vêem o aumento da despesa familiar ser contemplada pelo quociente familiar, como vão pagar mais imposto, para suportar as bonificações das “famílias numerosas” . Se “a introdução de novas normas”, para citar o texto da proposta, é “para dar resposta aos grandes problemas que o imposto hoje suscita, tornadas necessárias em razão da desatualização, por força do decurso do tempo, de soluções pensadas na década de oitenta”, este Anteprojecto falha redondamente o seu desígnio:
- a) o principal pretexto, reiterado, é esse: “adaptação às necessidades estruturais da vida actual”, “ao contexto social contemporâneo”, “às novas circunstâncias existentes”… – todavia, para além da opção dada aos casais, pela tributação separada ou conjunta, talvez só em relação ao conceito de “residência fiscal” (e seria bom entender a quem beneficia) se possa ler nesse sentido – de resposta a novas realidades;
- b) o pretexto da simplificação prevista para deduções fixas à colecta introduz maior e evidente injustiça – e uma, enorme, em benefício do grupo de contribuintes de mais elevados rendimentos; pior: a dedução específica dos reformados, reduzida a partir de 2006, para fazer convergir o IRS destes com o dos trabalhadores, começou a caminhar para a divergência desde 2012, onerando muitos pensionistas, cujos rendimentos já descontam mais do que outros, iguais, se de trabalhadores no activo!;
- c) a opção prevista para rendimentos de capital só agrava, na prática, a desigualdade de que os seus detentores já gozavam, permitindo-lhes agora escolher o que mais os favoreça; ora, sendo este um ponto de fulcral injustiça, era aqui que havia que actuar – mas em sentido inverso, precisamente;
- d) “visão estrita, mas adequada, do agregado familiar” é que esta não é, com certeza – e “uma maior e mais realista tradução fiscal”, neste parâmetro, implicaria a compreensão social do conceito de “família”, não o limitando àquela base conceptual a que já nem se adequa (“famílias numerosas”, naquele sentido estrito, já não se aplica senão a quem pôde, “et pour cause”, fazer tal opção; e ninguém a virá a poder fazer só por estes acrescidos benefícios a quem a pôde fazer); se um dos objetivos foi promover a “proteção das famílias” e se o IRS serve para reduzir desigualdades, é nesse sentido que este anteprojecto mais falha – não reduz, antes agrava desigualdades prévias evidentes; não protege a família, na realidade actual; e o IRS não é – nem pode ser – para política de natalidade, como diz a Comissão, que também sublinha, a dado passo: “O legislador fiscal não deve ser indiferente a realidades que, relativamente à família, a nossa sociedade vem demonstrando”; porém, as soluções que preconiza não atendem ao que aqui enuncia.
- e) finalmente, quanto à “sobretributação das pensões”, “imperativos de maior justiça” reclamariam benefícios em sede fiscal – precisamente aquilo de que aqui não se cuida.