Arresto de princípios

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Já era difícil. Agora tornou-se pior. A coligação PSD/CDS pode ter começado verdadeiramente a perder as eleições com o anúncio do corte de 600 milhões na Segurança Social.Primeiro, no Plano de Estabilidade que levou a Bruxelas, a intenção passou quase despercebida. Discrição que a ministra das Finanças se encarregou de corrigir, ao forçar a necessidade de o “ajustamento” voltar às reformas. A derrapagem completa dá-se na omissão das linhas programáticas apresentadas esta semana e que ignoram, como se nada se tivesse passado, o que quer, afinal, o Governo fazer.

Ninguém no seu juízo perfeito pode olhar para estes anos como anos de sucesso. Não foram. Para uma grande maioria dos portugueses, o resgate foi o começo de um calvário que parece não ter fim.

Dispararam o desemprego, a dívida pública, as falências. Há mais idosos sem qualquer tipo de apoio. O rendimento social de inserção caiu drasticamente. Muitas crianças só nas cantinas escolares encontram forma de matar a fome. A pobreza toca hoje quase 30% dos portugueses. E outros tantos só resistem à conta dos parcos apoios que ainda são mantidos. Os salários minguaram para compor os cofres do Estado. Os jovens emigram. Não é uma lengalenga: é o país. Não estamos melhor. E dificilmente estaremos.

Mas à coligação ainda restavam dois argumentos de peso, daqueles que verdadeiramente tocam uma sociedade modorrenta. Mantras que funcionam, se bem repetidos. Os socialistas enterraram o país e chamaram a troika. PSD/CDS fizeram o caminho das pedras. Puseram as contas direitas. A reza, velha e relha, é: a Direita tem contas certas, a Esquerda gasta.

E sobra ainda o outro fator nas eleições que se avizinham, este mais fundamental do que o primeiro. A incerteza. O Governo estava, com sucesso aparente, a colocar esse ónus no Partido Socialista, que agora passou para a maioria. É o que se chama desperdiçar o ativo da credibilidade. E esse, que era apenas uma ilusão, esfumou-se.

Dificilmente os portugueses olharão com credibilidade para uma Carta de Princípios carregada de adversativas e condicionais, como a que a coligação apresentou. Sem uma ideia nova, sem um ar de esperança. Enquanto lançam farpas às propostas do PS, os líderes do PSD e do CDS esquecem-se que ideias sujeitas à crítica são melhores do que o vazio. Anunciar cortes nas pensões com palavras vagas é fazer estremecer o eleitorado mais conservador e menos adepto das mudanças. Perder onde a lógica indicaria ser fácil somar pontos.

Domingos de Andrade
Opinião JN 06.06.2015