Uma Oportunidade para a Democracia
Estão para breve as eleições legislativas de 2015 que podem ser consideradas as mais significativas depois das primeiras eleições em democracia proporcionadas pelo 25 de Abril. Se essas eleições fundadores de uma nova época ofereciam um leque de esperanças e de novidades, as eleições de 2015 recebem muitos portugueses resignados, ressentidos e sofridos, sem esperança, a par de outros zangados e aderentes a uma austeridade redentora.
Tal como vem acontecendo nos últimos actos eleitorais, um número muito significativo (talvez a maioria) de eleitores está disposto a ficar em casa e a não abrir a porta às urnas do voto. Este é um sintoma de uma crise grave no sistema político democrático.
O choque e a desilusão retiram a vontade de participação a muitos. A aparente impossibilidade de alternativas políticas viáveis, uma das armas de arremesso dos que apoiam a situação e as ideias políticas do poder actuais. Dos que acreditam numa “realidade”para além da vontade dos cidadãos, uma “realidade” que retiraria a possibilidade de escolher. Uma “realidade” que castigaria sem apelo nem agravo a maioria da população por ter vivido em situação de “pecado financeiro” e de garantias políticas em excesso ou anacrónicas.
Todos sabemos que os actores mais interventivos no processo das eleições são os principais partidos políticos, organizados e preparados para a contenda e que aspiram ao poder. Apresentarão programas e líderes para cativar.
Na verdade, de quatro em quatro anos, o formalmente interveniente principal do processo democrático, o povo, é seduzido durante a janela eleitoral. No entanto, durante quatro anos os cidadãos passam rapidamente a súbditos de quem os poderes desconfiam e muitas vezes hostilizam.
Qual a razão pela qual as próximas eleições são tão relevantes?
Não há uma razão. Há um conjunto de razões que tornam este acto eleitoral peculiar:
- é a primeira oportunidade que os cidadãos têm de manifestarem a sua decisão após um período de uma governação muito dura, de um aumento de impostos nunca visto e de uma redução significativa dos rendimentos, em particular da classe média;
- ocorre após um desejo de imposição unilateral de uma visão muito diferente de organização da sociedade, onde impera a mercantilização quase total das actividades, a privatização muito alargada de funções vitais para a sociedade como a saúde, a educação e o sistema de pensões, entre outras; uma revolução muito oposta à de 1974, em aspectos sociais e económicos;
- encontra uma parte da população em estado de anomia, de insegurança e de incerteza quanto ao futuro do país e quanto ao futuro das famílias, sob a ameaça de uma dívida muito alta e de mercados sem rosto e considerados impiedosos, de anos de austeridade pela frente e de perda de autonomia nacional;
- realiza-se após uma das maiores roturas do tecido social nacional no que respeita ao elevado desemprego, de jovens e menos jovens, ao número de falências recorde, aos incumprimentos no pagamento da habitação por perda de rendimento, à emigração massiva forçada de jovens, às mudanças significativas em leis e condições do trabalho e de vida que penalizam, em geral, a maioria da população e ao aumento das desigualdades;
- ocorre após um período de crise política e económica na União Europeia muito grave, durante o qual as deficiências da zona euro e o modo autoritário de comportamento político tornaram a Europa numa vasta “casa de correcção” moral gerida pelos designados credores internacionais. Uma Europa que se auto dividiu sem um projecto de felicidade ou de esperança para as pessoas de todos os países componentes. Uma Europa em que forças políticas dominantes decidiram e avançaram em aspectos fundamentais sem uma participação democrática esclarecida dos diferentes povos.
Umas eleições em que os aposentados, reformados e pensionistas, os associados da APRe!, são chamados a depositar um voto após quatro anos de um desassossego impiedoso, com cortes, impostos e sobre-impostos, acesso à saúde mais difícil e um discurso agressivo e injusto de incentivo permanente ao confronto intergeracional. Para estes cidadãos não precisamos de mostrar a importância do acto eleitoral. Eles pertencem a um dos grupos de cidadãos a quem foram exigidos maiores sacrifícios. Conhecem as dificuldades dos seus pais, dos filhos, dos netos…
Num regime democrático, aceitamos e respeitamos que muitos portugueses vejam a situação de um modo diferente e acreditem na justeza do empobrecimento, na esperança que esse empobrecimento e os seus sacrifícios passados e futuros, sejam redentores e permitam o caminho do desenvolvimento e da tranquilidade. Todos poderão convergir para as urnas de voto com o intuito de influenciar o futuro.
Qual a razão pela qual vale a pena ir votar, abrir a nossa porta às eleições?
Para além do sinal de vida cívica plena e do cumprimento de um direito fundamental, votar constitui uma oportunidade única de emitir uma opinião com valor político.
Pode considerar-se que é um imperativo cívico de respeito, para os muitos que lutaram no passado pelo voto livre.
É um acto lúcido e pragmático, atendendo a que a abstenção em nada pode influenciar a situação actual e deixa completamente a condução da coisa publica nos outros, nos que votam.
Votar não significa estar iludido, não significa deixar de criticar o comportamento político dos deputados e outros agentes políticos sempre que tal se justifique. Não significa deixar de continuar a participar e a lutar por uma maior responsabilização perante os eleitores. Significa ter mais direito moral a exigir dos eleitos.
Em situações de crise e desânimo, manifestar resistência e defender o que se entende ser correcto é já uma vitória!
Para os aposentados, pensionistas e reformados há ainda uma razão muito especial: as ameaças sérias para eles que se perfilam no horizonte da próxima legislatura.
O processo eleitoral é um processo eminentemente político. Ou seja, para participarmos convictamente nesse processo, somos convocados a ler política, a discutir política, a questionar a gestão da coisa pública, a perceber o que nos propõem e a descobrir as eventuais armadilhas por baixo das palavras. A encontrar o que desejamos para nós e para os filhos e netos.
A APRe! é uma associação apartidária. O que significa ser apartidário num momento político tão especial?
Significa não estar, como instituição, vinculada rigidamente a um partido político, nem participar no jogo político como um dos concorrentes ao troféu.
Mas a APRe! é uma associação cívica com intervenção nas questões políticas que estruturam a vida do país e dos cidadãos, dos seus associados.
Nesta conformidade, a APRe! deve estar sempre disponível para dialogar com os partidos políticos e outros órgãos do poder, para saber criticar ou apoiar políticas e projectos políticos com impacto nos reformados e para reivindicar novas políticas, de acordo com o que considerar o justo interesse dos seus associado na dupla qualidade que têm de reformados e de cidadãos com direitos e deveres.
Uma intervenção nas eleições de 2015 por parte da APRe! deverá desenvolver-se, como está previsto, a dois níveis:
- O questionamento directo dos partidos concorrentes através de reuniões e da entrega de um caderno reivindicativo e de um questionário apropriado.
- A realização de sessões públicas com a participação de oradores convidados e a possibilidade de esclarecimentos sobre os principais temas em debate nas eleições, nomeadamente a saúde, a segurança social, a carga fiscal e a situação política em Portugal e na União Europeia, entre outros.
As respostas dos partidos políticos ao referido questionário, a serem distribuídas posteriormente aos associados da APRe!, proporcionarão um melhor esclarecimento sobre as intenções dessas forças políticas e, a par da leitura dos respectivos programas de candidatura, podem ajudar na procura do melhor ou do menos mau partido para votar no dia 4 de Outubro. Diz-nos a experiência que os partidos nem sempre honram os compromissos assumidos nas eleições e que a maioria dos programas eleitorais são suficientemente elásticos para conterem tudo e nada simultâneamente.
É pois necessária uma leitura crítica sustentada na experiência política que os cidadãos devem ter após estes quatro anos tão duros. Estamos convictos que os associados da APRe! devem estar, pela experiência adquirida, em boas condições para saber descodificar as verdades escondidas.
Esta campanha da APRe! designada “Uma Volta pelo Voto” tem um objectivo preciso e fundamental: a mobilização para o voto esclarecido nas eleições de 4 de Outubro.
Podemos estar, no presente, desapontados com a falta de alternativas políticas consistentes, com as limitações à democracia e a sujeição a orientações e provocações externas, com o comportamento de políticos, mas não deveremos ter de nos arrepender, no futuro, pela nossa ausência ou indiferença nas eleições legislativas que nos batem à porta neste ano de 2015.
A. Betâmio de Almeida
Membro da Direcção da APRe!