Reflexões depois duma conversa com o professor Gomes Canotilho,
reescritas por J. Vieira Lourenço
Impera hoje uma lógica de serviços mínimos! Desapareceu o estado social? Não! Não desapareceu! Vai é continuar como um estado de mínimos! Não temos dúvidas hoje: o Estado rompeu connosco! Impõe novas regras. O aumento de impostos é brutal É brutal o IRS. São brutais as sobretaxas. É brutal a CES aplicada a pensões /reformas superiores a 1350 euros. A gente assiste a tudo isto e não pode deixar de se interrogar: COMO É QUE NOS TRIBUTAM OS RENDIMENTOS DO TRABALHO SE NÓS JÁ NÃO TRABALHAMOS?
Os senhores teutónicos descobriram que os reformados estavam a ter uma boa vidinha! E de repente o que sempre se consideraram direitos adquiridos, foram à vida! Como sabemos, a maior parte dos pensionistas tiveram um desconto obrigatório ao longo da vida. E que descobriram agora os alemães (logo seguidos pelos nossos governantes)? Vieram dizer que isto era um seguro! Portanto sendo um seguro estava sujeito às flutuações próprias dos mercados!
Será que a vida humana tem menos dignidade porque as pessoas envelhecem? Se olharmos para declarações recentes dos nossos governantes ou para outras declarações no passado de ex-governantes …temos de concluir que eles assim pensam! E terá sido isso mesmo , por exemplo, que terá levado Manuela Ferreira Leite a ter declarado em tempo que quem quiser hemodiálise que a pague! Outros, despudoradamente, defendem que aos 80 anos já não se opera…outros arriscam falar dos 70…e a continuar nesta lógica perversa podemos perguntar se não chegaremos aos 60 anos!
Sabemos que há uma grande décalage entre a geração que paga e trabalha e a geração que está reformada. O equilíbrio entre gerações é cada vez mais desequilibrado. E isto não é bom para os pensionistas e reformados. Qualquer estratégia terá sempre de passar por uma maior sustentabilidade demográfica! Mas a gente sabe que os nossos jovens emigram, fogem do país. Sabemos também que nascem cada vez menos crianças, embora algumas autarquias incentivem a natalidade com prémios aos casais jovens. É urgente de facto pensar em novas estratégias de protecção à maternidade e pensarmos em mais justiça familiar. Precisamos de maior racionalização e duma política fiscal mais equilibrada.
Dizem-nos que é preciso refundar o Estado. Outros falam da sua reconstrução. Seja o que for que se defenda, refundar ou reconstruir o estado não pode ser pura e simplesmente criar um ESTADO DAS TAXAS, que não é mais do que um Estado tributário.
No momento actual a febre taxatória é de tal ordem que taxamos tudo! Um Estado tem de basear-se na cidadania. O estado na sua febre taxatória não pensa em cidadãos mas sim em utentes, clientes, consumidores! Desapareçam os cidadãos e vivam os clientes! Este parece ser o lema de quem nos governa actualmente. Ora tudo isto parece ser um discurso económico ao contrário!
Mas enquanto se instala esta febre taxatória o mesmo Estado fecha os olhos a verdadeiras aberrações e a várias mordomias. Dois simples exemplos: Porque é que um juiz jubilado tem as mesmas regalias que tem um juiz no activo?(Renda de casa por exemplo). Porque é que o Supremo tribunal tem 63 juízes? 15 não seriam suficientes?
Os governantes actuais parecem inspirar-se no velho princípio do Direito Romano: Salus publica suprema lex est. E para justificar as duras medidas que se vão tomando e que atingem particularmente os mais desprotegidos da sociedade como que invocam a existência dum estado de necessidade! Mas tal estado não foi declarado! Nem este, nem o estado de emergência! Como dar então a volta? Falando dum estado de necessidade financeira! Ora, continuam eles, se estamos num estado de necessidade financeira, para haver salvação publica (salus publica) tudo se legitima!
E não contentes com isto impingem-nos outra artimanha, melhor, outra patranha! Dizem eles que se há necessidade financeira, não têm de respeitar a constituição!
Mas a pergunta que legitimamente se tem de fazer é esta: o estado de emergência financeira ou de necessidade financeira não pode ser, não deve ser um ESTADO DE DIREITO? A resposta é óbvia.
Os actos tributários que sofremos oneram substancialmente o cidadão. Contudo as restrições deviam ser proporcionais nunca podendo ser retroactivas. Além disso a lei do presente orçamento de estado é claramente restritiva. Quando temos um acto restritivo devemos sempre perguntar se tal acto é necessário e será adequado e se há proporcionalidade entre meios e fins.
Os impostos que vamos sofrer são restritivos. As pensões que nos querem atribuir são igualmente restritivas. Mas os comentadores arregimentados do governo só conseguem ver o tal estado de emergência financeira!
Todos admitimos que os impostos são necessários. Todos admitimos que os impostos devem ser adequados. Mas temos de discutir estas questões com outra seriedade! NÓS NÃO ESTAMOS NUM ESTADO DE GUERRA, que levou, por exemplo, Rosevelt a impor 75%.
Os economistas serventuários deste regime que nos governa fazem um raciocínio como se não houvesse Estado de Direito e Constituição! E por isso acabam por negar o estado de direito e defender o tal estado de emergência necessidade. Ora a nossa Constituição diz que as leis restritivas não podem ser retroactivas. Além disso as leis restritivas têm de ser gerais e abstractas! ( As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. Artigo 18, 3.) Ora não é isso que está a acontecer porque o governo escolheu uma categoria (pensionistas e reformados) e está a massacrar tal categoria duma forma obscena.
As declarações recentes do Primeiro Ministro, denunciando situações de reformas chorudas de categorias que não descontaram, podem parecer chocantes. Mas também todos sabemos que neste país aconteceram muitas situações que não deviam ter acontecido. É o caso da antecipação das reformas (tempos houve em que foram estimuladas) Ou o caso da compra de tempo. E isto para já não falar das mordomias auferidas por uns tantos pelo trabalho no Banco de Portugal ou na Caixa Geral de Depósitos, ou nas subvenções vitalícias dos políticos, ou ainda nas acumulações, ou ainda das chorudas reformas dos notários, conseguidas com a engenharia financeira resultante dos seus emolumentos.
Claro que parece legítimo perguntar: mas todas estas coisas são ou não são legais? Obviamente que são legais, porque têm a cobertura da lei. Mas outra pergunta se impõe: Serão éticas? Muitos, a maioria dos pensionistas e reformados, hoje tão espoliados, que não pertencem a este círculos só podem sentir indignação e revolta. Alguns trabalharam mais de 45 anos.
Uma outra golpada deste governo que devemos todos denunciar foi a habilidade de se terem eliminado escalões no IRS.[1] Podemos perguntar, por exemplo, que sentido tem comparar uma pessoa que ganha um milhão com quem ganha 85 mil euros. Da forma que estão neste momento os escalões do IRS são verdadeiramente inconstitucionais. E o facto das deduções á colecta (saúde, ensino) serem reduzidas da forma que foram não deixa de ser preocupante porque o IRS, segundo a Constituição, deve ser progressivo e adequado à realidade familiar. Veja-se o que diz o artigo 104 e seguintes da CRP. (O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar. CRP, artigo 104, 1).
O Primeiro Ministro tem afirmado que o orçamento não fere a Constituição. Mas uma leitura cuidada e atenta mostra que fere. O estado de necessidade financeira não pode suspender a Constituição!
Vivemos infelizmente num tempo que tributa mais o trabalho do que o capital. Ora o princípio da igualdade proíbe a penalização do trabalho.
J. Vieira Lourenço
[1] Os novos escalões de IRS para 2013 (relativos a rendimentos auferidos a partir de 1 de janeiro de 2013) são os seguintes e vão pagar as seguintes taxas de IRS:
· Menos de sete mil euros: 14,5%
· Entre os sete mil e os 20 mil euros: 28.5%
· Entre os 20 mil e os 40 mil euros: 37%
· Entre os 40 mil e os 80 mil euros: 45%
· Acima dos 80 mil euros: 48%
Haverá ainda uma sobretaxa de 3,5% para todos os escalões tributados e para o último escalão uma taxa adicional de mais 2,5%. O último escalão de IRS 2013, por exemplo, sobe para 54%.