A ECONOMIA ESTÁ MAIS FRÁGIL, FORAM DELAPIDADOS MUITOS RECURSOS E A DÍVIDA PODE ENTRAR NUM CAMINHO EXPLOSIVO. É ESTE O BALANÇO ARRASADOR (E ATERRADOR) DO PROGRAMA DE AJUSTAMENTO
O relatório do Independent Evaluation Office, um órgão independente do FMI que avalia os seus programas, é demasiado importante para que caia no esquecimento. O documento reconhece vários erros nos resgates na zona euro. Centremo-nos, contudo, no caso português. O relatório confirma que os técnicos do FMI partiram de um diagnóstico errado: Portugal não tinha um problema de competitividade no sector exportador mas de falta de poupança privada e pública e excesso de consumo privado em bens duradouros (sobretudo automóveis) e investimento residencial. Diagnóstico errado, remédio errado. Foi o que aconteceu. O programa de ajustamento português era claramente otimista quanto à recuperação económica (tivemos três anos de recessão e não apenas um; um recuo da economia de 7% e não de 4%; e uma taxa de desemprego que rondou os 17% em vez dos 13% previstos). Além disso, aos €78 mil milhões concedidos a Portugal faltavam 20 a €25 mil milhões para reestruturar o sector dos transportes. Por tudo isto, a política orçamental tornou-se bastante mais recessiva para tentar cumprir o défice. Só que — outro erro — este estava calculado em percentagem do PIB e não definido por um valor nominal. Como o PIB caiu mais do que o esperado, o défice aumentou e a resposta passou por mais cortes e maiores aumentos de impostos, agravando a recessão — algo que o Fundo ignorou de forma “constante”.
Dois outros erros: os multiplicadores orçamentais subestimavam o impacto das medidas recessivas (por cada euro de austeridade, o crescimento era penalizado em 0,8 cêntimos e não em 0,5 cêntimos) e o corte abruto na concessão de crédito ignorou a subcapitalização da esmagadora maioria das empresas portugueses, o que fez disparar as falências e o desemprego. A cereja em cima do bolo é o facto de o sector financeiro ter sido considerado “resiliente”, ignorando que três anos de recessão e milhares de falências acabariam inevitavelmente por atingir a banca nacional.
O problema desta análise é que ela já não serve de nada a Portugal, nem ao meio milhão de emigrantes e aos 600 mil desempregados, aos milhares de empresas que faliram ou aos centros de decisão nacional que implodiram. Mais grave: “A sustentabilidade da dívida pública de Portugal é frágil: choques adversos modestos (…) ou aumentos discricionários do défice orçamental podem facilmente lançar o rácio de dívida pública sobre o PIB num caminho explosivo.” Ou seja, a economia está mais frágil, muitos recursos materiais e humanos foram delapidados e se o BCE acaba com o seu programa de compra de títulos de dívida pública colapsamos rapidamente. É este o balanço arrasador (e aterrador) do programa de ajustamento português, elaborado pela troika e conduzido com zelo e dedicação pelo Governo PSD/CDS.
Nicolau Santos
Semanário Expresso 06.08.2016