AVÓS E NETOS: UM ABRAÇO INTERGERACIONAL

113

Durante as férias escolares e bem assim como noutros momentos de pausa lectiva, muitas são as crianças que ocupam os seus tempos livres sob o olhar atento dos avós, passando o dia na sua companhia e sob a sua responsabilidade. Esta exigência social tem levado a que os avós (reformados ou não) sejam cada vez mais um pilar fundamental no crescimento dos seus netos e estejam encarregados dos momentos de férias conjuntas plenos de brincadeira, descontracção e cumplicidade.

Assistimos, deste modo, à valorização de um dos papéis fundamentais do ciclo de vida dos indivíduos: o papel de avós!

O papel dos avós (1ª geração) inicia-se quando os seus filhos (2ª geração) geram ou adoptam um filho (3ª geração) e perpetua-se ao longo das suas vidas dando, por um lado, sentido de continuidade a si próprios e, por outro lado, sentido de identidade e história familiar às crianças.

Os avós devem ter também presente que existem duas pessoas entre essa relação: o pai e a mãe dos seus netos. Os avós devem ponderar muito bem as opiniões e conselhos que dão, não entrando em conflito com aquilo que pensa a 2ª geração, pois as boas relações devem ser preservadas e nutridas.

Os avós devem respeitar para serem respeitados. Os avós devem, igualmente, consciencializar-se de que o tempo é mudança e de que todo o ser humano vai exercendo os seus papéis à medida que sofre influência do tempo social, individual e familiar. É sabido que o tempo social está relacionado com a vida em diferentes períodos históricos, com a evolução da sociedade e da comunidade e tem implicações no desenvolvimento e características pessoais de cada indivíduo (tempo individual). O tempo familiar está intimamente relacionado com os dois, sendo as transformações da família influenciadas quer pelo tempo social quer pelo tempo individual.

À semelhança do que afirmava Heráclito, ” Ninguém se banha duas vezes na mesma água de um rio”, também os papéis sociais e familiares estão em contínua e continuada alteração e, por isso mesmo, ser-se avô/avó ou neto/neta vai-se transformando, sem esquecer que o desenvolvimento sócio-afectivo dos indivíduos (o seu tempo individual) está relacionado com a forma como lhe são prestados cuidados em idades precoces, bem como com a sua adaptação em diferentes contextos comunitários e educacionais, com a sua integração na sociedade. Assim sendo, o desenvolvimento das crianças está relacionado com a forma como os adultos se relacionam com elas, mais especificamente com as figuras de cuidado primário, de forma a desenvolverem as suas capacidades/potencialidades e a compreenderem e a regularem as suas emoções.

Graças ao aumento da esperança de vida, assistimos a uma verticalização das famílias, com a coexistência das três gerações, sendo a presença dos avós na vida dos netos um facto.

À crescente importância dos idosos, junta-se uma nova percepção desta categoria social, que deixa de ser identificada com a dependência, a doença ou a incapacidade e, passa a ser entendida como pilar da família ao contribuir, activamente, no desenvolvimento e vida dos netos. Isto deve-se, talvez, à circunstância de, geralmente, já terem atingido, nesta fase das suas vidas, a estabilidade pessoal e profissional que lhes vai permitir o desempenho de diversas funções no seio familiar: cuidadores, educadores, mediadores, transmissores de história da família e até confidentes.

Estudos sociológicos (1), nomeadamente os de Karin Wall (2), têm vindo a demonstrar a relevância das relações que se estabelecem entre avós e netos a partir de investigações sobre a família e o trabalho, numa perspectiva de percurso de vida, os desenvolvimentos das políticas de família no contexto europeu e o impacto da crise na vida das crianças e das famílias.

A redescoberta das funções da família alargada, ao nível social, vem valorizar o papel dos avós (diga-se em abono da verdade que as gerações mais velhas são hoje, muitas vezes, até o suporte financeiro das mais novas) e reconhecer o papel da criança no seio da família (3). Assim, as novas representações da criança e do idoso transpuseram a fronteira das relações apenas sócio-afectivas e reclamaram a sua regulação pelo Direito.

Em 1995, coube ao legislador, no contexto do sistema jurídico português, dar tradução legal, através da Lei n.º 84/95, de 31 de Agosto, artigo 1887.º-A do Código Civil, às relações entre avós e netos.

Segundo este artigo, os “pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes”.

Impõe-se-nos a lei reconhecendo que a relação entre os avós e os netos é benéfica, consagrando o direito das crianças e dos jovens a usufruírem do convívio com os seus avós e o direito destes ao convívio com os netos através do designado “direito de visita”. Este direito assume particular relevância nos casos de ruptura ou de desagregação da vida familiar (casos de divórcio, separação dos pais ou morte de um deles) quando o progenitor que sobrevive ou o que fica com o poder paternal impede o normal relacionamento do menor com os pais do outro progenitor. Acrescente-se que, mesmo quando o menor vive com ambos os pais, estes não podem impedir, injustificadamente, o convívio entre ele e os avós. Em qualquer dos casos os avós podem recorrer a juízo para obterem o reatar da sua ligação com os netos (4). Faça-se aqui uma ressalva no sentido de aludir que o amor e os laços de afecto não se podem impor por decisão de Tribunal, mas é certo que sem conhecimento e convivência há sentimentos que não se desenvolvem.

Independentemente do tempo, da circunstância, do que se legisle ou até do que se diga ou pense o certo é que ser avô/avó não é tarefa nada fácil. Daí que estudiosos na matéria se tenham preocupado e continuem a interessar e a tentar arranjar informação para que o desempenho deste papel assuma a dignidade que merece.

Pedro Strecht coloca diversas questões, aborda assuntos variados através de uma avó que regista em diários as suas reflexões sobre as relações com os netos. Entre elas cite-se a frase da carta de uma avó de um neto seguido em consulta: “Não sei bem o que é melhor para os meus netos perante os desafios dos dias de hoje. Mas sei, com toda a certeza, que precisam muito de mim” (5). Damos conta nesta mensagem de três ideias pertinentes:

  • “Não sei bem o que é melhor para os meus netos”. Para responder a esta inquietação importa antes de mais ter conhecimento dos gostos, maneira de ser, capacidades e limitações dos netos. Os avós podem apenas orientar mas nunca criar expectativas infundadas. Devem orientar e esclarecer dúvidas sem imporem os seus conhecimentos como verdade. Devem incutir nos netos responsabilidade (em liberdade), espírito crítico e construtivo para que estes saibam encontrar o que melhor são capazes de fazer.
  • “os desafios do dias de hoje”. Não é fácil os avós entenderem os desafios de uma geração que dista da sua. Convém, no entanto, adaptarem-se ao mundo moderno onde eles aparecem apenas como uma referência. Importa saber ouvir, conseguir dialogar, respeitando as diferenças, o espaço e a opinião do outro.
  • “Mas sei, com toda a certeza, que precisam muito de mim”. Uma verdade inegável. Os netos precisam de afecto (e muito) para desenvolverem uma personalidade sadia, construírem o seu autoconceito positivo. Resultado de estudos feitos pela Universidade de Boston, nos EUA, demonstraram que avós e netos adultos que se relacionaram bem (boa carga afectiva) tiveram menos sintomas de depressão. Sara Moorman, uma das professoras do Departamento de Sociologia e do Instituto do Envelhecimento Boston College afirma que “Quanto maior o apoio emocional, que avôs e netos adultos receberam um do outro, melhor sua saúde psicológica.”
É, sem dúvida, muito grande o desafio que é lançado aos avós, pois vai, muitas vezes, para além das suas capacidades ao confrontarem-se com a necessidade de terem de entender tempos e circunstâncias, maneiras de estar e de ser, âmago e detalhes, princípios e valores, opiniões e autoridade, modelos e liberdade, enfim questões que tentam entender e só o conseguem porque os norteia o sentido da vida, do amor. 

Na tentativa de os ajudar/elucidar muitos são os especialistas que partilham o seu saber.

Daniel Sampaio faz a apologia do diálogo/convivência intergeracional tendo como principais protagonistas os avós. Ele defende que “a razão está do lado dos avós porque como historiadores da família garantem a autonomia e a diferenciação dos mais novos” (6).

Os avós, mais ou menos conscientemente, são “colo” de afectos, divulgadores e motivadores de valores, fomentadores do autoconceito (auto-estima e auto-imagem) e dinamizadores de aprendizagens. Aprendizagem sentida enquanto “fenómeno extremamente complexo, envolvendo aspectos cognitivos, emocionais, orgânicos, psicológicos, sociais e culturais”, “resultado do desenvolvimento de aptidões e de conhecimentos bem como da transferência destes para novas situações” a ponto de provocar “uma transformação qualitativa na estrutura mental daquele que aprende” (7).

Aos avós é pedida uma tarefa (gratificante para os avós, sem esquecerem que não devem “sufocar” os netos), que só os super avós são capazes de levar “a bom porto”. Assim, importa que eles saibam aliar o seu conhecimento e experiência à ingenuidade e gosto de aprender dos netos, muitas vezes servindo-se do jogo enquanto dinâmica de aprendizagem apelativa, pois “a aprendizagem com significado não é um conceito vazio de conteúdo. É um conhecer profundo dos interesses de cada criança para que, a partir deles, com eles e por eles, se faça da aprendizagem e do ensino um autêntico prazer” (8). Por tudo isto os avós devem ter consciência de que: “Como o sistema nervoso de uma criança em desenvolvimento é mais plástico que o de um adulto, é muito importante a actuação correcta e eficaz na estimulação da plasticidade (cerebral) para favorecer a máxima da função motora/sensitiva do aprendiz, visando facilitar o processo de aprender a aprender” (…). “Cada experiência nova, cada contacto realizado na época própria possibilita as conexões sinápticas e cria condições favoráveis para o surgimento de determinadas competências (…) além de proporcionar à criança a capacidade de controlar suas emoções ao longo da vida” (9).

Pedro Strecht elenca uma série de tarefas desempenhadas pelos avós:

“Ajudam os pais; reforçam o papel da família, quando esta se rompe ou se reconstrói, com mais facilidade; oferecem-se como modelos e contam histórias de vida diferentes; gostam de fazer jogos engraçados; fazem programas que os pais não querem ou não podem fazer com os filhos; preenchem o tempo livre e evitam a solidão ou o desamparo emocional; têm paciência para ajudar a estudar, capacidade para levar a passear, e disponibilidade sincera para… ouvir” (10).

Os avós fazem tudo isto com muito amor e sabedoria/experiência e também porque (justifica Pedro Strecht):

“os avós querem e gostam de estar ativos na vida dos netos. Porque ter alguma idade não representa velhice ou inutilidade; pelo contrário, é habitualmente sinónimo de experiência, disponibilidade, sabedoria. Porque os netos gostam de estar com os avós e, quando lhes perguntamos para os definirem numa só palavra, escolhem maioritariamente uma muito simples: queridos. Os meus avós são queridos” (11).

Em suma: nesta díade relacional, os avós, ao darem o seu melhor para acompanhar e potenciar o crescimento saudável dos netos, sentem também que este convívio intergeracional faz-lhes renascer um brilhozinho especial nos seus olhos e incita-os a rejuvenescer.

Elda Calado
Observatório do Envelhecimento da APRe!, Newsletter nº4

(1) SARRACENO Chiara, NALDINI, Manuela, Sociologia da Família, 2.ª ed., Editorial Estampa, 2003
(2) WALL, Karin, Os grupos domésticos de co-residência, in: Famílias em Portugal (Karin Wall, org.), Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, 2005.
(3) Vide a Declaração Universal dos Direitos da Criança, aprovados em 20 de novembro de 1989. Em 1959 a ONU (Organização das Nações Unidas) escreveu e aprovou a “Declaração dos Direitos da Criança”
(4) MARTINS, Rosa; VITOR, Paula Távora, O Direito dos Avós às relações Pessoais com os Netos na Jurisprudência Recente, in Revista Julgar, ed. da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, n.º10, Janeiro-Abril 2010.
(5) Strecht, Pedro, Para Que Servem os Avós?, edição Verso de Kapa, 2013
(6) Sampaio, Daniel, A razão dos avós, Editorial Caminho, Dezembro de 2008
(7) Relvas, Marta Pires, Neurociência e educação, Wak Editora, Rio de Janeiro, 2010
(8) Aguera, Isabel, Diálogos com o meu neto: o papel dos avós na educação préescolar; Narcea, S.A. DE Ediciones, Madrid, 2000
(9) Relvas, Marta Pires, Neurociência e educação, Wak Editora, Rio de Janeiro, 2010
(10) Strecht, Pedro, Queridos Avós, O Papel dos Avós na Vida dos Netos (de A a Z), edição Verso de Kapa, 2016
(11) Strecht, Pedro, Para Que Servem os Avós?, edição Verso de Kapa, 2013