Basta, estou farto!

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Aposentei-me após 42 anos de serviço efectivo, com uma pensão que me permitia enfrentar o futuro com confiança. Contudo, os governos foram tomando medidas gravosas para os portugueses, que vão empurrando os mais desfavorecidos para o abismo. Também eu sinto que estou lá perto e, por isso, chegou a altura de dizer BASTA, porque:

ESTOU FARTO de políticos mentirosos que na oposição prometem tudo e que no Governo nada fazem.

ESTOU FARTO de políticos despudorados que concorrem a eleições com um programa e que, quando eleitos, o rasgam sem ponta de vergonha.

ESTOU FARTO de políticos autistas que não percebem que a elevada abstenção representa um não ao actual sistema político.

ESTOU FARTO de políticos malabaristas que jogam com números já hoje duvidosos e amanhã falsos, tentando fazer de nós estúpidos e ineptos.

ESTOU FARTO da promiscuidade entre políticos e poderes financeiro e empresarial.

ESTOU FARTO de ministros que são nomeados e que depois se volatilizam, tal como o dinheiro dos contribuintes que o Estado coloca nos bancos falidos.

ESTOU FARTO de pagar mais impostos, ver a pensão reduzida e a dívida a aumentar.

ESTOU FARTO de ouvir dizer que o problema são os juros da dívida e não ver coragem para negociar a sua reestruturação.

ESTOU FARTO de banqueiros e de presidentes de empresas com prejuízo receberem milhões de indemnização e definirem para si próprios reformas obscenas.

ESTOU FARTO de bancos e empresas com conselhos de administração de 20 membros a ganharem quantias exorbitantes.

ESTOU FARTO de uma AR cujos deputados passam parte do tempo a trabalhar para empresas privadas.

ESTOU FARTO das juventudes partidárias que só produzem políticos incultos, arrogantes e inexperientes.

ESTOU FARTO de ex-ministros muito críticos, esquecidos de que já tiveram o poder e não resolveram os problemas do País.

ESTOU FARTO dos reguladores que não regulam nada e no final ainda são promovidos.

ESTOU FARTO de uma classe dirigente com salários muito superiores aos dos seus colegas europeus, enquanto o salário mínimo nacional está muito abaixo da média europeia.

ESTOU FARTO das fugas de informação que beneficiam os depositantes que têm 10 Milhões euro e nunca os que têm 10 000euro.

ESTOU FARTO de um sistema judicial que está estruturado para proteger os fortes e poderosos e aniquilar os fracos e desprotegidos.

ESTOU FARTO de uma justiça lenta, inoperante e que deixa prescrever processos importantes.

ESTOU FARTO de ouvir dizer que o nosso sistema de pensões é insustentável porque o número de idosos é muito superior ao dos jovens, enquanto na Alemanha há percentualmente mais idosos e menos jovens do que em Portugal e o sistema ali é viável e as reformas intocáveis.

ESTOU FARTO de ser acusado, juntamente com os outros reformados e funcionários públicos, de sermos as gorduras do Estado, de termos vivido acima das nossas possibilidades e daí arcarmos com a maioria das medidas correctivas. Mas pergunto: e as gorduras dos gabinetes de governo e empresas? E as reformas de políticos e gestores de empresas?

ESTOU FARTO de ver o Governo corajoso a reduzir as pensões e medroso frente às PPP.

ESTOU FARTO dos offshores, das pessoas que lá colocam o dinheiro e dos governos incapazes de travar esta fuga aos impostos.

ESTOU FARTO dos empresários que obtêm lucros em Portugal e depois os aplicam no exterior.

Senhores governantes

Estou farto, quase a ponto de explodir. Sei que, tal como eu, estão milhões de portugueses que já perderam a paciência.

Por vezes tenho vergonha 

de viver num país que, hoje, é quase um Estado falhado. Mas não seguirei a sugestão do Sr. PM. Vou ficar. Pelas minhas filhas que ainda estudam e porque sou militar e amo a minha Pátria. E vou lutar com as armas que legalmente tiver ao meu alcance.

Deixo, contudo, um alerta: a História pode não se repetir, mas convém não esquecer que as actuais condições sociais e políticas não diferem muito das que se viviam na 1.ª República.

Em suma. Aspectos sobre os quais devemos meditar nestes dias difíceis.

MÁRIO CABRITA
Tenente-general (reforma)

Opinião DN 27 de Agosto