Bem-vindos à discussão da dívida!

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O relatório da dívida (PS/BE) é um trabalho bem estruturado, tecnicamente respeitável e prudente na maioria dos seus pressupostos. Depois do chamado “Manifesto dos 74” e num tempo em que no “mainstream” político nacional e europeu é quase herético reflectir sobre a dívida, tem o mérito de voltar a pôr no primeiro plano o mais fundamental problema que Portugal enfrentará nas próximas décadas, com uma indissociável dimensão geracional, e exigindo, mais cedo ou mais tarde, um compromisso nacional e europeu.

O relatório reflecte o necessário ajustamento de ideias à inexorável realidade e a constrangimentos que não dependem de nós. Entre eles, está a falácia do “Tratado Orçamental”. O tal que nos obriga (ou obrigaria?) a dedicar cerca de 7% da riqueza anual ao pagamento dos juros (4%) e à amortização anual de 1/20 da parte que excede 60% do PIB (3%). Uma impossibilidade no passado e no … futuro!

Por outro lado, não poderemos actuar sobre a dívida pública apenas do lado do seu valor nominal. O fundamental é a relação entre esta e a riqueza criada. Logo, actuar sobre o denominador (PIB) é um elemento-chave para a redução do garrote da dívida. Importa romper com o círculo vicioso de um crescimento débil em grande parte comido pelo serviço da dívida.

Há medidas propostas que não exigem aceitação europeia. A redução da provisão para riscos gerais do Banco de Portugal (medida mais relacionada com o défice anual) é uma delas. Todavia, o BdP não é uma qualquer empresa do Estado e como tal não deve ser tratada. Nem a sua independência deve ser marginalizada. O Banco tem responsabilidades fundamentais para a estabilidade do país e manda o bom-senso que não sejamos menos previdentes. Mas a questão levantada merece ser ponderada entre o governo e a administração do Banco. Provavelmente, nem tanto ao mar, nem tanto à terra…

Pondo de parte, a recompra antecipada da dívida do FMI e a optimização da gestão das disponibilidades líquidas das Administrações Públicas – medidas indiscutíveis e que têm sido já em parte concretizadas pelo anterior e actual Governo – refiro-me agora à redução das maturidades médias da dívida directa do Estado, bem como à redução da taxa de juro (140 p.b.) e aumento da maturidade em 45 anos da dívida às instâncias europeias. Se esta implica uma decisão bilateral (certamente não aceite) e não à escala europeia total, ambas, porém, acarretam o risco de alguma desconfiança acrescida em relação a Portugal. De facto, o diabo está nas entrelinhas, gostemos ou não: agências de notação, operadores de mercado, provável ressurgimento de condicionalidades. É que as variáveis não são independentes e os efeitos colaterais são tudo menos despiciendos. Há, aliás, uma aparente contradição entre reduzir a maturidade em novas emissões e sugerir o seu aumento nos 51,6 MM euros devidos às instituições europeias.

O estudo não incorpora os efeitos nefastos de qualquer crise futura que altere os pressupostos nele enunciados. Nem sequer são analisadas possíveis consequências da redução e supressão do programa de compra de activos por parte do BCE. A almofada financeira do Estado e o endividamento mais longo (com custos adicionais, é certo) são uma resposta aos riscos de refinanciamento a que não somos imunes. É como se no circo um quase infalível trapezista trabalhasse, contudo, sem rede de segurança…

Por fim, uma palavra sobre alguns aspectos que não foram considerados: 

  • a) medidas para estimular o aforro interno das famílias e aumentar a sua quota na dívida; 
  • b) nada se diz sobre a importância do desemprego estrutural e dos efeitos adversos da demografia nas finanças públicas.

António Bagão Félix