Excelentíssima Senhora
Presidente da Assembleia da República Portuguesa
Tomei conhecimento de um artigo jornalístico da autoria do deputado António Carlos Sousa Gomes da Silva Peixoto, inserto no jornal ionline, com o título “Um Portugal de cabelos brancos”, datado de 10 de Janeiro passado.
O referido artigo, que junto em anexo para seu conhecimento, procura, de uma maneira ligeira e claramente pouco fundamentada, catalogar como essencialmente nacional uma evidência que se verifica na maioria dos países mais desenvolvidos e que naturalmente o torna absolutamente irrelevante – o facto de a esperança média de vida estar a aumentar, a natalidade a descer e suas consequências no futuro da sociedade portuguesa.
Não fora o caso de o mesmo ter sido assinado não a título individual e pessoal por Carlos Peixoto, mas sim na qualidade de «Advogado e deputado do PSD» e o referido artigo nem me mereceria qualquer referência face à fraca qualidade do mesmo e desastrada interpretação e manipulação de dados estatísticos cuja fiabilidade não é confirmada pelos mais importantes organismos internacionais. Não sendo este o foro competente para os corrigir, terá da minha parte os devidos esclarecimentos pela via apropriada.
Contudo, a qualidade em que assinou o seu artigo confere-lhe, ou deveria naturalmente conferir-lhe, uma responsabilidade acrescida no que se refere à defesa do bom nome da Assembleia da República, para a qual foi eleito como representante de parte dos cidadãos portugueses, através da obrigação de observar os princípios éticos que a sua função impõe.
E é em relação a este ponto que, no meu entender, o Sr. Deputado em causa infringiu todas a regras de bom senso e de consideração pelos cidadãos portugueses de mais idade ao referir-se aos mesmos, no seu artigo, através da inaceitável seguinte frase do seu texto “A nossa pátria foi contaminada com a já conhecida peste grisalha.”
Tal frase, que por si só justifica a minha mais veemente indignação e repúdio, é agravada pelo facto de o Sr. Deputado integrar, como efectivo, a Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, cuja missão inscrita no próprio site da AR cito seguidamente nos aspectos que considero mais relevantes para a presente situação:
“A Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias exerce atribuições constitucionais, legislativas e de fiscalização (…) no âmbito dos assuntos constitucionais, direitos fundamentais, justiça, (…), direitos humanos, legislação eleitoral e igualdade, (…).”
Assim, é por demais evidente que o Deputado em causa, estando obrigado a defender estes princípios, por inerência dos cargos que desempenha, incorreu claramente na violação de preceitos constitucionais nacionais aos quais se encontra obrigado, nomeadamente no que se refere ao nº 1 do Artº 26º (…direito ao bom nome e reputação…à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação) da Constituição da República Portuguesa, bem como de outros preceitos inscritos em normas europeias que o Estado Português subscreveu, nomeadamente no que se refere ao Direito das Pessoas Idosas consignado no Artº 25º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, direito esse que não é compatível com a estigmatização dos cidadãos em causa através da sua afirmação acima citada.
Acresce a violação do Artº 3º do Tratado da União Europeia, bem como do Artº 7º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que se transcreve seguidamente com o devido sublinhado:
“Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual protecção da lei. Todos têm direito a protecção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.”
E é claro, no texto em apreço da autoria do Deputado Carlos Peixoto, o incitamento à discriminação daqueles a quem chama de «grisalhos», classificando-os como uma “peste”, à semelhança da pandemia que varreu a Europa Medieval e que conduziu à morte de cerca de um terço da sua população da altura e ao estigma de todos os que por ela eram afectados e que, por esse facto, eram afastados do convívio social através da sua expulsão para guetos.
Isto numa altura em que a Comunidade Europeia decidiu designar 2012 como “O Ano Europeu Para o Envelhecimento Activo e de Solidariedade Entre Gerações”, com o propósito de criar uma cultura de envelhecimento activo na Europa, baseada numa sociedade para todas as idades (Council EPSCO; doc. 16592/12 SOC 948 SAN 289).
Assim, tendo em atenção o que acima foi exposto e a gravidade da situação criada, a qual verifico estar a suscitar o maior repúdio da maioria dos mais de três milhões de cidadãos visados – aposentados, pensionistas e reformados, quer ao nível dos media quer mesmo em comunicações a título particular, venho solicitar a Vossa Excelência que o assunto motivo desta carta seja sujeito à apreciação da Comissão Parlamentar para a Ética, a Cidadania e a Comunicação.
Agradecendo desde já a atenção dispensada, subscrevo-me atentamente
Carlos Ponce
Pensionista grisalho do CNP