O texto que vos trago hoje, e após um merecido descanso de férias, trata de um tema que nesta folha trimestral é inovador e original: a velhice. Estão por certo familiarizados com o conceito, pois a terceira prateleira do armário está cada vez mais alta e difícil de alcançar, os cem metros até à mercearia tornaram-se quinhentos e levam cada vez mais tempo a percorrer, os médicos de várias especialidade já são tratados por tu, a velhota do 3º Esq. é facilmente confundida com a nova Miss Portugal, e os vários esfíncteres corporais cavalgam a onda do liberalismo, adoptando a velha fórmula do “laissez faire, laissez passer“. Isto, caros amigos, para quem não saiba ou esteja distraído, é a velhice.
Estes quatro argumentos são contrariados por Catão, um por um, com fundamentos lógicos e evidentes para o observador comum, embora superficiais:
- 1) “que afasta homens dos negócios“: que negócios? Os que requerem mais destreza e força, ou aqueles que exigem mais reflexão e experiência? Um velho timoneiro já não sobe à gávea mas depende dele o rumo do barco; a impetuosidade juvenil é moderada pela moderação senatorial.
- 2) “que enfraquece o corpo“: é curioso ver como há dois mil anos a defesa da velhice se dicotomizava, por exemplo, entre força (juventude) e fraqueza (idade) e como esta era substituída, nesta fase e com vantagem, pela actividade intelectual: defendia Cícero, através de Catão, que os espíritos se revitalizavam através desta última. De facto, manter o cérebro activo e desperto para a vida, dedicado à leitura ou/e à aprendizagem de novos temas ou tarefas, protela a senilidade naqueles onde a doença não se instalou, residindo aí a sua força, que se poderá manifestar, por exemplo na defesa pública de um argumento ou causa.
- 3) “que suprime todos os prazeres da vida“: Catão defende que os prazeres corporais são a fonte de traições à pátria, acordos secretos com o inimigo, adultério, raptos, crimes de sangue, e todas as outras ignomínias daí decorrentes, que a razão e a sabedoria são subjugados pelo prazer, e que portanto deveremos agradecer à velhice “por eliminar aquela ânsia de fazer o que não deveria ser feito” e “…nos velhos…(se) não existe desejo, não podem lamentá-lo, já que não se pode sofrer com aquilo de que não se sente a falta” (Eh pá, ó Catão, tem dó!!); avança ainda com o argumento que muitos, na velhice, encontram o prazer na leitura, na agricultura, nos jogos, e que é portanto falso que todos os prazeres sejam aí suprimidos.
- 4) por fim, “que se encontra perto da morte“: a morte é comum a todas as idades, e ninguém, qualquer que seja a sua, pode ter a certeza de chegar ao fim do dia; a morte, ou o receio dela, deve ser desprezada por duas vias: ignorada, se elimina a alma por completo e nada se lhe segue; ou desejada, se a conduz a algum lugar para a eternidade. Quem vive no constante receio da morte, já se encontra morto e não sabe, pois esse medo impede-o de viver.
Termina este texto na seguinte forma: “Que possam chegar até ela (velhice)…capazes de provar por experiência a verdade que de mim escutastes“.
Este texto de Cícero, não sendo uma das suas obras mais conhecidas ou famosas, faz transparecer o seu génio de orador eloquente, e merece uma leitura cuidada que nos leva a reflectir sobre um tema que nos traz aqui trimestralmente, e em que as opiniões acumuladas ao longo dos anos da nossas vivências se entrecruzam com as que Catão nos transmite pela sua voz sábia de dois mil anos.
Deixo-vos com duas frases de Cícero sobre a velhice e reflictam!
Os homens são como os vinhos: a idade azeda os maus e apura os bons.
Para se ter vida longa é preciso viver devagar.
Luís Cabral