CINCO PONTOS PARA PERCEBER AS PROPOSTAS PARA A NOVA LEI DE BASES DA SAÚDE

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As taxas moderadoras e o setor privado e social são dois dos temas que dividem os partidos nos projetos de lei para um nova Lei de Bases da Saúde.

Esta quarta-feira, o plenário da Assembleia da República discute a proposta de Lei do Governo e os projetos de lei do PCP, PSD e CDS-PP, estando a proposta do BE já na especialidade.

A proposta do Governo para a nova Lei de Bases da Saúde elimina o apoio do Estado ao desenvolvimento do setor privado da saúde em concorrência com o público e estabelece que a contratação de entidades privadas e sociais fica condicionada à avaliação de necessidade.  O Governo estabelece na sua proposta uma “primazia dos serviços próprios do Estado” e abre a porta à exclusividade dos profissionais de saúde no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Os princípios gerais da nova lei: o que se pretende mudar?

A atual Lei de Bases de 1990, teve uma vigência de 28 anos, mas  entretanto o sistema de saúde português e os contextos nacional e internacional evoluíram. Dado que nos últimos anos se tem assistido a um forte crescimento do setor privado, o Governo entende que é necessário clarificar as relações entre setor público, privado e social.

O BE não ignora que “o SNS tem limitações que tem de superar, que tem sofrido ataques dos quais é preciso recuperar e que tem inimigos dos quais deve ser protegido”, motivo pelo qual precisa de uma nova Lei de Bases da Saúde que tenha “um maior enfoque na prevenção da doença e na promoção da saúde” e que garanta “a existência de recursos financeiros e outros para que o SNS seja efetivamente geral, universal e gratuito”.

“Pese embora o SNS ser um dos melhores serviços públicos, importa que sejam interrompidas as opções políticas que o têm vindo a enfraquecer e assegurar-lhe o rumo e dotá-lo dos recursos indispensáveis ao seu desenvolvimento”, defende, por seu turno, o PCP, que avisa que o “fortalecimento do SNS geral, universal e gratuito é prosseguido pela alocação de verbas”.

O PSD, que reconhece que recorreu também ao trabalho recentemente produzido pela Comissão de Revisão da Lei de Bases da Saúde, pretende que a gestão da saúde seja “primordialmente pública” e o recurso do SNS aos setores privado e social, para a realização de prestações públicas de saúde, se verifique “sempre que tal se revele necessário”, devendo ser “vantajoso, em termos de relação qualidade-custos” e conduzir à obtenção de ganhos em saúde para os utentes.

Já o CDS-PP, que também se baseia no trabalho da referida comissão, afirma que “é amplamente reconhecida a necessidade de atualização da lei”, mas não se deixa iludir porque “não será uma nova Lei de Bases da Saúde que, só por si, resolverá os problemas”, almejando “um SNS sustentável, humanizado e modernizado”.

Taxas moderadoras: as diferenças entre partidos

O Governo prevê a possibilidade de cobrança de taxas moderadoras como mecanismo de controlo da “procura desnecessária”, dando a possibilidade de isenção “em função da condição de recursos, de doença ou de especial vulnerabilidade. A proposta indica que a lei pode estabelecer limites ao montante total de taxas moderadoras a cobrar.

Neste aspeto, os partidos de esquerda afastam-se dos de direita, com o PCP a propor a abolição das taxas moderadoras, enquanto o BE prevê que sejam praticamente extintas, exceto nos casos de prestações de saúde não prescritas ou requisitadas por médicos ou outros profissionais.

PSD e CDS-PP apresentam textos muito semelhantes em matéria de taxas moderadoras, justificando a existência das mesmas com “o objetivo de orientar a procura e moderar a procura desnecessária”, determinando a “isenção de pagamento em situações de interesse de saúde pública, de maior risco de saúde ou de insuficiência económica”.

Setores privado e social: que tipo de cooperação?

Segundo a proposta de lei do Governo, os setores público, privado e social atuam sob um princípio de cooperação e “pautam-se por regras de transparência e de prevenção de conflitos de interesse ao nível dos seus profissionais”. A contratação de entidades do setor privado e social, tal como o recurso a entidades terceiras, “é condicionada à avaliação da necessidade”, prevalecendo “a primazia dos serviços próprios do Estado na prestação de cuidados”.

Na proposta do Governo, elimina-se o apoio do Estado ao “desenvolvimento do setor privado da saúde (…) em concorrência com o setor público”. O Governo quer ainda reforçar a autonomia de gestão das unidades do SNS e o investimento em investigação e inovação, prevendo planos de investimento plurianuais.

Já o BE é claro quando pede que a nova Lei de Bases garanta “que a saúde é um direito e não um negócio”, o que passa por, na opinião dos bloquistas, “garantir a separação entre o público e o privado para acabar com a promiscuidade e com o rentismo que drena recursos públicos para alimentar o negócio dos privados na saúde”.

Na mesma linha de pensamento, para o PCP “o fortalecimento do SNS obriga à clara separação dos setores – público, privado e social – o que exige que aos setores privado e social seja atribuído um caráter supletivo ao SNS”.

A proposta dos sociais-democratas assume que “as entidades do setor privado com objetivos de saúde podem cooperar com o SNS na realização de prestações públicas de saúde”, determinando que “as entidades do setor de economia social com objetivos específicos de saúde podem ser subsidiadas financeiramente e apoiadas tecnicamente pelo Estado e pelas autarquias locais”.

O CDS-PP vai mais longe e propõe que, para defender a sustentabilidade do pilar social em que assenta o direito dos cidadãos à saúde, se institua “um princípio concorrencial dentro dos serviços do SNS e entre os setores público, privado e social, para que se gerem melhores resultados e maior eficiência, devendo o Estado adquirir serviços de saúde, em igualdade de circunstâncias, aos prestadores públicos, privados e sociais”.

Profissionais de saúde: o que muda?

Na nova Lei de Bases, elimina-se o apoio do Estado “à facilitação da mobilidade” de profissionais entre o setor público e o setor privado”, evoluindo “progressivamente para a criação de “mecanismos de dedicação plena ao exercício de funções públicas” – em busca de um regime de exclusividade.

Neste aspeto, a proposta do CDS-PP aproxima-se da do Governo, ao sugerir que “a lei pode criar incentivos financeiros ou de outra natureza que promovam a dedicação exclusiva e a investigação em saúde e para a saúde”.

O PSD é o único partido que opta por uma posição diferente e mantém a “mobilidade entre o setor público e os setores de economia social e privado”.

O BE e o PCP querem ir mais longe e promover a dedicação exclusiva dos seus profissionais nos serviços de saúde.


Utentes: finalmente no centro do SNS?

A proposta preconiza a participação das pessoas “na definição, acompanhamento e avaliação das políticas de saúde e nas decisões que dizem respeito ao seu bem-estar, promovendo-se a literacia para a saúde”. O documento prevê também novos modelos assistenciais, “salvaguardando que o modelo de prestação garantido pelo SNS está organizado e funciona de forma articulada e em rede”. Por outro lado, alarga ainda o conceito de beneficiários do SNS a requerentes de proteção internacional, migrantes legais e ilegais, reclusos e crianças internadas em centros educativos.

A saúde pública, mental e ocupacional passa a ter bases próprias e o documento passa a contemplar os cuidados paliativos e os cuidados continuados e tem ainda uma referência expressa ao cuidador informal.

O BE também quer medidas especiais para as populações mais vulneráveis, tais como crianças, adolescentes, grávidas, idosos, deficientes, consumidores de drogas ilícitas e doentes crónicos, além de trabalhadores cuja profissão assim o justifique, imigrantes, cidadãos com baixos rendimentos e socialmente excluídos. Sobre beneficiários, o BE quer ainda alargar a sua definição, pretendendo que passem a ser também os “cidadãos estrangeiros que se encontrem em Portugal, designadamente, os legalmente residentes em Portugal, os imigrantes com ou sem a respetiva situação legalizada e os cidadãos apátridas, refugiados e exilados residentes em território nacional, nos termos definidos pela lei”.

O PCP defende programas especiais de proteção da saúde para grupos vulneráveis ou de risco e uma “eficiente cobertura nacional” dos cuidados primários, hospitalares, continuados e paliativos.

Na base sobre políticas de saúde, o PSD também propõe “a adoção de medidas especiais relativamente a grupos em situação de maior vulnerabilidade, designadamente mulheres grávidas, puérperas ou lactantes, crianças, adolescentes, pessoas com deficiência, idosos, pessoas com doença crónica”, propondo uma base só dedicada à saúde mental.

Na mesma perspetiva, também o CDS-PP sugere a criação de uma base da saúde mental uma vez que “todos têm direito a gozar do melhor nível de bem-estar mental, enquanto base do seu desenvolvimento equilibrado durante a vida, importante para as relações interpessoais, vida familiar e integração social e profissional, e para plena participação comunitária e económica de cada um”.

Com Lusa
Nuno de Noronha em Sapo Saúde e Medicina