O interior do país será mais afetado e as ondas de calor serão mais frequentes. Um cenário que aumenta o risco de incêndio na floresta
As tendências estão lá todas: chuva a menos no inverno e na primavera, temperaturas muito acima da média para época, e em número de dias consecutivos para ser onda de calor, a maior parte do território em seca meteorológica. E, na sequência de tudo isso – e de muitos outros fatores que são estruturais à floresta e circunstanciais ao momento, e sobre os quais ainda falta muita informação -, a deflagração de um dos mais violentos incêndios de que há memória em Portugal, e o mais trágico em número de vítimas. A pergunta é inevitável: é disto que se fala quando se fala de alterações climáticas?
A resposta não é taxativa – nem pode. Um fenómeno isolado não é suficiente para declarar uma certeza, ainda que o calor nos dias 17 e 18 deste mês (marcados pelo violento incêndio que teve origem em Pedrógão Grande) tenha sido muito anormal para um final de primavera (ver texto na página ao lado). Como dizia ao DN o físico e especialista em alterações climáticas Filipe Duarte Santos, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que estuda há duas décadas as alterações climáticas em Portugal, “é muito difícil medir de forma definitiva” se isto é já consequência da mudança climática. O que se pode dizer é que “no contexto das alterações climáticas, o risco de incêndios florestais vai aumentar em toda a bacia mediterrânica e também em Portugal, porque é isso que os modelos climáticos indicam”, sublinha o especialista.
O aumento no final do século do número de dias com temperaturas extremas, acima dos 35 graus, que podem chegar a ser, no pior cenário até mais 50 dias (ver gráfico), em relação aos que hoje já se verificam, em algumas zonas do interior, ou um maior número de ondas de calor, que podem ser nesse futuro até 12 vezes mais frequentes em relação à atualidade, vão potenciar o risco dos fogos florestais, mas terão também impactos na saúde, na biodiversidade, na agricultura, nos recursos hídricos…
Aquilo a que vamos assistir, na prática, é “ao aumento progressivo destes fenómenos ao longo do século”, explica o investigador Luís Dias, da Universidade de Lisboa, que coordenou as estratégias de adaptação às alterações climáticas para 26 municípios do país no âmbito do Climadapt. Este projeto, que durou dois anos e terminou no fim de 2016, fez o diagnóstico das principais vulnerabilidades climáticas para cada um dos territórios, elaborou as respetivas estratégias de adaptação e formou 52 técnicos municipais nesta área nas autarquias envolvidas.
Perante as vulnerabilidades identificadas, que vão do aumento dos fenómenos extremos como ondas de calor e secas mais intensas, tempestades mais devastadoras, mais cheias e inundações ou aumento da erosão costeira, com todos os seus impactos na saúde e nas atividades humanas, as ações de adaptação serão inevitáveis – e têm de ser encaradas desde já.
Florestas Risco de incêndio aumenta
A floresta, com a previsão do aumento do risco de incêndio, é um dos calcanhares de Aquiles do país, sobretudo nas regiões Norte e Centro, onde existem problemas complexos de gestão e ordenamento florestal e que, a par da desertificação do interior do país, contribuem há três décadas para o agravamento dos incêndios florestais.
Estudos realizados ainda no início da década passada já apontavam essa tendência. Em 2002, os resultados do estudo integrado liderado por Filipe Duarte Santos “Alterações climáticas em Portugal: Cenários, impactos e medidas de adaptação”, o primeiro sobre as alterações climáticas em Portugal, era claro: “Prevê-se um aumento substancial do risco meteorológico de incêndio em todo o país. Nas regiões do Norte e Centro, espera-se um aumento de três a cinco vezes do número de dias com valores do índice climático de risco de incêndio, correspondentes a situações de risco muito alto e extremo.”
Estudos mais recentes confirmam e tornam mais precisas as estimativas. Dados do IPCC, o painel intergovernamental para as alterações climáticas da ONU, publicados em 2014, estimam um aumento entre três a cinco vezes dos incêndios florestais na região do Sul da Europa, que inclui Portugal. E um estudo publicado em 2013 por investigadores portugueses da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e da Universidade de Lisboa, liderado por Mário Pereira, mostra que os grandes fogos, como agora o de Pedrógão Grande, vão aumentar já em meados do século e que a ocorrência de fogos com maior área ardida poderá passar de 51 para 158, em média, no final do século. O aumento do número de dias com calor extremo e baixa humidade e o prolongamento da época de incêndios, que será antecipada e prolongada pelo outono dentro, favorecerão esse cenário, pelo que o ordenamento florestal é urgente, para fazer face a esse mundo mais quente – e mais perigoso.
Ondas de calor Vão ser mais frequentes
Uma onda de calor ocorre quando, pelo menos durante seis dias consecutivos, a temperatura máxima é superior em cinco graus, ou mais, à média da máxima para a região e para a época. Tal como aconteceu agora em quase todo o território do continente. Algumas regiões do interior estiveram 14 dias em onda de calor, um fenómeno que se sabe ter um importante impacto na saúde, já que está geralmente associado um pico de mortalidade nas populações mais vulneráveis, como os idosos e as pessoas com doenças crónicas. No pior dos cenários, e com a a Península Ibérica a ser uma das regiões da Europa mais afetadas pelas alterações climáticas, o aumento da temperatura média por cá pode chegar aos seis graus. Nesse patamar, as ondas de calor serão ainda mais mortíferas.
Filomena Naves