Contextos

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Numa democracia, diz-se, todos os actos dos titulares dos poderes públicos são susceptíveis de crítica e, portanto, também os acórdãos do Tribunal Constitucional. Parece razoável, ainda que não se entenda por que a livre crítica se deva estender a funcionários estrangeiros, credores e agências de “rating”. Por outro lado, em que sentido um acto ainda não praticado é susceptível de crítica? Será que também é legítimo procurar condicionar os juízes ameaçando com eventuais consequências dos seus hipotéticos acórdãos? E também é legítimo que um conceituado professor de direito e “entertainer” político duma estação de televisão sugira, perante mais de um milhão de portugueses que o Governo ponha lá (nos diplomas) qualquer coisa para que pareça que as medidas são provisórias e o TC as aprove (coisa que o FMI se encarregou de desmascarar)? E que um director de um semanário de referência sugira aos juízes uma leitura “menos ortodoxa” da Constituição?
Nos Estados Unidos os jurados são mantidos em isolamento durante todo o tempo do exercício das suas funções para os ter ao abrigo de pressões ilegítimas e influências nefastas. Aqui, a consciência dos juízes é todos os dias molestada por um assédio constante, impróprio de um Estado de Direito em que devia ser assegurada e protegida a independência do poder judicial.
Por outro lado, admitida a legitimidade da crítica, ela devia processar-se no campo estritamente jurídico da constitucionalidade e da conformidade com a lei e os princípios gerais do Direito. Argumenta-se que a análise deve ter em conta o contexto, designadamente o interesse nacional e, claro, tal como é concebido pelo Governo e de modo a não colidir com as exigências do estrangeiro.
Mas o contexto é muito mais do que isto. E compreende o milhão de desempregados, os 20% da população que vive abaixo do nível de pobreza, os jovens que emigram, os idosos abandonados em lares, os pensionistas expropriados de parte das suas pensões, as famílias que perdem as suas casas, a precaridade do trabalho, as falências dos pequenos e médios empresários, enfim, o desespero e o medo. E se o Governo e os seus mandantes pressionam os juízes agitando consequências no quadro do que consideram ser o contexto em que se insere a decisão, não deveremos nós recordar-lhes este outro contexto? O contexto de um país privado de esperança e de futuro e não o de agiotas e especuladores temendo pelos seus lucros? Ou vamos aguardar passivamente e deixar o terreno livre para os nossos inimigos?
Luís Gottschalk