Cortes nas reformas antecipadas aumentam pedidos de ajuda à Deco

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Vítimas de burlas e desempregados que se reformaram com cortes nas pensões estão entre as novas causas de sobre-endividamento

Os motivos que levam as pessoas a recorrer ao Gabinete de Apoio ao Sobre-endividado (GAS) da Deco estão a mudar. Entre as 26 080 solicitações que chegaram ao GAS entre janeiro e outubro, há cada vez mais famílias em dificuldades económicas por terem sido vítimas de burla, negócios que correram mal ou ainda porque o desemprego as empurrou para uma reforma antecipada em que a cascata de penalizações resulta num valor reduzido.

Até 2013, Luísa tinha um ordenado de 1200 euros: três anos mais tarde, esgotado o subsídio de desemprego, teve de avançar para a reforma antecipada, ficando com uma pensão de 498 euros e a redução para quase um terço do rendimento fez que deixasse de conseguir ter as prestações dos créditos em dia. Manuel está a passar pelo mesmo: sem outro rendimento, reformou-se antecipadamente, passando a receber uma pensão de 400 euros. Conseguiu ter as contas equilibradas enquanto durou o acordo com o banco que lhe permitiu pagar apenas juros do empréstimo da casa. O acordo chegou ao fim e viu-se confrontado com uma prestação de 380 euros.

O sistema de penalizações a que estão sujeitas as reformas antecipadas (quer as “normais” quer as concedidas na sequência de desemprego de longa duração) levou o ministro Vieira da Silva a tomar várias medidas que procuram diminuir os danos. Uma delas foi o alerta aos futuros pensionistas sobre o valor de pensão que terão para o resto da vida – o pedido apenas se efetiva depois de o beneficiário ser notificado sobre o valor da futura pensão e responder. Caso contrário, é arquivado. Foi ainda suspenso o acesso à reforma aos 55 anos de idade (o limite está balizado nos 60 anos). Em 2014 o fator de sustentabilidade foi agravado (tendo quase quadruplicado o valor do corte) e a idade legal da reforma subiu.

As reformas antecipadas não estão entre as causas mais comuns de sobre-endividamento, mas o seu peso está a mudar e Natália Nunes, coordenadora do GAS, não tem dúvidas de que até ao final do ano vai aumentar. Na data em que se assinala o Dia Mundial da Poupança, os dados deste gabinete, a que o DN/ /Dinheiro Vivo teve acesso, indicam que os 26 080 pedidos de ajuda deram origem à abertura de 2001 processos – uma média de sete por dia.

O desemprego continua a ser a principal causa de sobre-endividamento. Mas, pela primeira vez, negócios e investimentos mal sucedidos surgem como responsáveis de 3,7% dos processos abertos; os casos de fraude representam 1,6%. Entre fraudes e burlas mais comuns estão anúncios de empréstimos sem juros que acabam com as vítimas a entregar dinheiro a quem prometia ajudá-las e depósitos com promessas de juros altos. A situação profissional das pessoas que recorrem ao GAS está também a registar alterações face ao perfil de 2016: em média, quatro em cada dez pedidos de ajuda partem de trabalhadores do setor privado, o que se deve, segundo Natália Nunes, ao facto de os ordenados serem mais baixos.

Entre os reformados registou-se também uma subida de casos de sobre-endividamento por causa das já referidas situações de reforma antecipada, mas também porque muitos aceitaram ser fiadores de empréstimos de familiares. Outros ainda viram filhos desempregados regressar a casa e tiveram de fazer face a mais despesas.

Natália Nunes acentua que o número médio de créditos dos sobre-endividados se mantém nos cinco desde 2015, mas o valor médio está a aumentar. No ano passado, as pessoas que recorrem ao GAS deviam em média 67 800 euros da casa; neste ano o valor subiu para 80 800. O mesmo se passou com o carro, que avançou de nove mil para quase 15 mil. Tudo somado, fez que a taxa de esforço se tenha agravado. Enquanto em 2016 as prestações representavam 67% dos rendimentos, agora pesam 70%. Esta evolução leva Natália Nunes a concluir que “parece pouco com a crise”. Ainda assim, assinala que diminuíram as pessoas que só pedem ajuda quando têm já prestações em incumprimento, porque “as instituições financeiras passaram a ter uma atitude mais proativa”.

Lucília Tiago
Ler mais em: DN 31.10.2017