Deixar sempre uma saída para o leão

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Aprendemos pouquíssimo com o erro, e passamos a vida a reincidir. Exaltamos a aventura dos Descobrimentos, ignorando a história trágico-marítima. E desdenhamos a ventura alheia, escondendo a desgraça própria. É claro (nem Passos, nem Portas, nem Cavaco), já ninguém se lembra daquele balde de gelo pela alma, ao minuto 64. Canto marcado, bola pelo ar, e Angelo Charisteas, grego filho da mãe, antecipa-se a Costinha e Ricardo para cabecear para a baliza da nossa ilusão desfeita: foi a 4 de julho de 2004, parece que foi ontem, e nós a fazer de esquecidos.

Foi a última vez que vos vi, compatriotas, a enfunar a verde-rubra e a cantar “A Portuguesa”! Tínhamos deixado outros pelo caminho, e Portugal chegava pela primeira vez à final de uma grande competição, depois da fase preliminar que fora a Expo-98 . Portugal inteiro parou, bandeiras à janela e a roer as unhas. Desse grego que nos desfez o sonho, já não lembrávamos o nome. Pois……

Mas não há, por esse Mundo – nem jornal, nem televisão, nem bicho-careta -, quem, de há dias a esta parte, não saiba quem são Tsipras ou Yannis Varoufakis, os novos armador e ponta de lança da seleção grega.

A iniciativa de jogo está, agora, do lado financeiro de Bruxelas e de Berlim. E quando não é a política que manda, os problemas de dinheiro só se resolvem com mais dinheiro, pelo que os avançados gregos esbarram, por estes dias, numa defesa mais cerrada que o “catenaccio” italiano.

O “sex appeal” de Tsipras e Varoufakis, por quem suspiram muitas das minhas amigas, até dá jeito às notícias, mas não seduz credores, nem resolve décadas de políticas erradas que as camisas justas e sem gravata do ministro grego quase tornaram tabus.

Sim, a Grécia parece encurralada: haveremos de concordar que nenhum país consegue pagar, em tempo aceitável e sem uma enorme devastação social, uma dívida equivalente a 175% do seu rendimento (PIB).

Mas talvez os gregos tenham aprendido com os chineses, que lhes compraram o porto ateniense do Pireu, que “se deve deixar sempre uma saída para o leão”.

No ponto em que estamos, dificilmente a Grécia escapará a perder este jogo e a uma nova vaga de empobrecimento. Mas a Europa não voltará a ser o que foi, depois do desafio grego lançado, em 25 de janeiro, a todos os cidadãos europeus e, em especial, aos povos do Sul, Portugal incluído. A construção europeia pressupõe coesão, crescimento e solidariedade. Ao contrário, a austeridade, a insegurança e o medo só poderão, de novo, conduzir à guerra.

Por cá, podemos mesmo ignorar o desafio, tratá-lo como “conto de crianças” e continuar vassalos, a louvar a regência, enquanto a Grécia já teve o condão de ganhar o respeito e o falatório universais.

Por cá, já deixámos de respeitar como feriado nacional o dia da nossa própria independência.

Anso Camões
Opinião JN 18.02.2015