Rita Gouveia
“Quase um ano depois do início do “terramoto” pandémico e perante um novo recolhimento obrigatório, olhamos para a diversidade de experiências do primeiro confinamento — de Março a Maio 2020 — e para os desafios na gestão das relações próximas, dentro e fora do agregado doméstico. Vivências diferentes partilham um dilema comum: living apart together ou living together apart?
Manuel António Pina deu o título ao poema, sem saber que tão bem se aplicaria ao que vivemos em 2020: O ano em que o calendário avariou. O mundo como o conhecíamos ficou em pausa e mergulhámos num cenário distópico. Março ia na terceira semana. Os estabelecimentos de ensino fecharam. O primeiro estado de emergência nacional foi decretado. O recolhimento domiciliário foi imposto. A circulação entre fronteiras foi limitada. A mobilidade no espaço público restringida. Empresas públicas e privadas pararam. As visitas aos lares e hospitais suspensas. Os estabelecimentos comerciais e serviços não-essenciais encerraram. Nas prateleiras dos supermercados esgotaram-se stocks de álcool, máscaras, papel higiénico e enlatados.
…Na esfera pública proliferaram debates e intervenções de peritos e decisores políticos centrados, sobretudo, em questões de saúde pública, políticas e medidas legais de contenção da pandemia, impactos económicos a curto e longo prazo. Os estudos epidemiológicos dispararam. Mas faltavam estudos sobre as respostas dos indivíduos e das famílias à pandemia. Que impactos se faziam sentir nas diversas esferas da vida social? De forma a responder a essa lacuna, uma equipa multidisciplinar de dez investigadores (antropólogos, geógrafos, cientistas políticos, psicólogos sociais e sociólogos do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e do Instituto Universitário de Lisboa) desenvolveu o estudo O Impacto Social da Pandemia.
Os dados foram recolhidos através de um inquérito online (no final de Março), em que participaram 11.500 residentes em Portugal, maiores de 16 anos. Como é que as pessoas reorganizaram os seus modos de vida e as suas relações próximas face à pandemia? De que modo vivenciaram o recolhimento domiciliário? Que efeitos sociais e psicológicos sentiram nos quotidianos pessoais e familiares?
Os agregados constituídos por casais heterossexuais com filhos/as (40%) representaram a estrutura familiar de confinamento mais comumNelson Garrido |
Quase um ano depois do “terramoto” pandémico, enfrentamos hoje um novo recolhimento obrigatório. Com base nos testemunhos de Março de 2020, proponho-me refletir sobre as experiências de confinamento das famílias e a gestão complexa das relações próximas. Apesar de o cenário epidémico, económico e social do atual confinamento ser diferente, é relevante analisar essas vivências para antever e melhor compreender os desafios que se colocam aos indivíduos e às famílias neste momento.
A paisagem de confinamento esteve longe de ser homogénea, quer pela diversidade da composição dos agregados domésticos de recolhimento, quer pelas histórias de vida e os contextos sociais diferenciados em que as pessoas se inserem, associados ao género, à idade, à classe social, ao sector de atividade, à orientação sexual, à etnia ou à região geográfica. Apesar da transversalidade das preocupações e das dificuldades, assistimos a diferentes experiências de confinamento e respostas sociais à pandemia pautadas por desafios e vulnerabilidades particulares.
Ler mais aqui; https://www.publico.pt/2021/01/24/sociedade/noticia/desafios-dilemas-relacoes-durante-confinamento