Ansiavam a terra prometida, ou apenas um pouco de dignidade. Foram recebidos a tiro quando estavam à beira de a alcançar. Onze pessoas, todas da mesma família, em fuga a partir da Síria, terminaram o êxodo trespassadas pelas balas no momento em que ousaram transpor a fronteira turca. De forma ilegal, a passagem: sustentam as autoridades, a justificar o ato que tirou a vida a, pelo menos, quatro crianças.
Sabemos da existência de mecanismos legais para os refugiados acederem à Europa, via Turquia. Sabemos também das dificuldades impostas para que as portas se abram. Não é de estranhar, portanto, que pessoas em fuga, desesperadas, tentem avançar de forma ilegal. Atirar a matar contra mulheres e crianças é apenas mais um capítulo, para alguns final, de uma guerra que as persegue.
A Turquia, se bem nos lembramos, tem um papel a desempenhar. É paga pela União Europeia para travar o fluxo de refugiados. Atirar a matar faz, portanto, parte dos métodos para atingir os objetivos. A política europeia perdeu o rosto humano. Mas há sempre alguém que resiste, que questiona a barbárie. Os Médicos sem Fronteiras, por exemplo, rejeitaram milhões de euros de financiamento da União Europeia, em oposição “às suas políticas de dissuasão danosas e à intensificação das tentativas de empurrar as pessoas e o seu sofrimento para longe da costa da Europa”. É isso o previsto no acordo com a Turquia: todos os migrantes que entrem ilegalmente na Grécia serão devolvidos a território turco para conter o fluxo de refugiados na Europa.
Um drama a que muitos continuam a virar a cara. No ano de 2015, devido a guerra, a perseguições políticas ou religiosas, 14,5 milhões de pessoas foram obrigadas a deixar a sua casa e o seu país. Mais seis milhões do que no ano anterior. Segundo dados do ACNUR, agência das Nações Unidos para os refugiados, a cada minuto, 24 pessoas são obrigadas a largar tudo e a partir. Muitos esbarram na indiferença, ou nas balas do “cordão sanitário” em torno da Europa.
São os acossados dos nossos dias. Muitos fogem da fome, da intolerância religiosa e política. Muitos fogem das bombas que já destruíram tudo, em guerras a que são alheios, muitas delas promovidas por interesses geoestratégicos e económicos que mereciam uma reflexão e uma resposta clara dos governos democráticos. Um outro dado que deveria atormentar as consciências: em 2015, mais de metade dos que deixaram tudo para trás eram crianças, e muitos delas chegam sem ninguém, absolutamente sozinhas, às costas da Grécia e de Itália.