E o valor do trabalho, Davos?

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Em Davos, a estância de inverno das elites financeiras e políticas mundiais fala-se muito, este ano, de uma quarta revolução industrial. Segundo estudo do World Economic Forum, em consequência da automação serão destruídos, nos próximos anos, cinco milhões de empregos em todo o Mundo e surgirão fortes perturbações nos “mercados de trabalho”, que poderão causar crescentes desemprego e desigualdades.

O domínio desses grandes avanços na automação surgirá concentrado num pequeno número de empresas (multinacionais). Para a esmagadora maioria das empresas, que como sabemos são pequenas e médias, vão sobrar, por muito tempo, novas dependências e acrescidas instabilidades. As tecnologias e outras capacitações que emergem de novos conhecimentos são importantes enquanto instrumentos que os seres humanos podem manipular para melhorar o funcionamento das organizações e a vida das pessoas, para servir o bem comum. Mas elas vêm sempre carregadas de riscos e desafios que geram medos e subjugações. Em Davos, não se discute como lhes dar resposta. Deixa-se a sua gestão aos “mercados” e a interesses egoístas instalados.

Há que levar a sério as premonições de Davos. Os trabalhadores encontram-se bastante desarmados no que respeita aos mecanismos e à força organizada necessários para defesa dos seus direitos e do direito ao emprego em particular. São bem conhecidos contextos em que a automação se traduziu em desemprego e abaixamento do valor atribuído ao trabalho e, por consequência, em fator de fragmentação e fragilização das condições de trabalho e de declínio social prolongado.

Em geral a automação permite, ao mesmo tempo, “poupar” trabalho humano, obter maior volume de produção no mesmo tempo de laboração e aumentar a riqueza produzida. Rompe portanto três equilíbrios:

  1. o equilíbrio entre o número de pessoas que precisam e querem trabalhar e o número dos que são requeridos para pôr a “máquina da produção” em movimento; 
  2. o equilíbrio entre o valor da produção e o rendimento suscetível de ser transformado em poder de compra, desde logo pelo desemprego provocado e por não se refletir nos salários o aumento da riqueza conseguido; 
  3. o equilíbrio entre o conjunto de atividades instaladas e o potencial de atividades úteis que se poderão desenvolver para utilizar de forma digna todo o trabalho humano disponível.

Para repor equilíbrios é indispensável que: 

  • i) os tempos de trabalho sejam distribuídos por todos os que querem e precisam de trabalhar, sem perda de salário (que pesa cada vez menos nos custos das empresas), organizando-se as empresas e os serviços por forma a rentabilizar capacidades sem a exploração excessiva de uns e o desemprego de outros; 
  • ii) o aumento da riqueza produzida se reflita com justiça no aumento do salário de quem a produz e na contribuição para a sustentabilidade de sistemas de segurança e proteção social solidários e universais; 
  • iii) se aumentem os impostos sobre o capital para uma mais justa distribuição do rendimento;
  • iv) os sistemas fiscais sejam efetivamente progressivos; 
  • v) se faça investir parte da riqueza existente na criação de emprego útil, quer para a satisfação de necessidades e direitos fundamentais das populações quer para resolver graves problemas ambientais e ecológicos, ou para utilizar mais racionalmente o uso da terra e do mar, ou ainda para desenvolver formas mais racionais de organização da economia e do modo de vida das pessoas.

Em Portugal, a reposição das 35 horas na Administração Pública é um objetivo justo e necessário e um indicador para a progressiva redução dos horários de trabalho em todos os setores de atividade. Coloquemo-nos do lado do futuro e não da subjugação aos medos e às injustiças.

Face às implicações e desafios das inovações que nos anunciam, insistir na manutenção e até alongamento das jornadas de trabalho, e na desvalorização dos salários como remédio para a competitividade, é apostar num futuro de desemprego e de crescentes desigualdades, de perigoso enfraquecimento da democracia, é acrescentar ameaças à paz universal. Um futuro que, formalmente, nem em Davos encontra advogados.

Carvalho da Silva
INVESTIGADOR E PROFESSOR UNIVERSITÁRIO

JN 24.01.16