Economia informal e exclusão social

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Torna-se necessário distinguir atividades de economia informal que resultam de “estratégias de sobrevivência” individual e atividades de economia informal que resultam de uma prática continuada de subdeclaração por parte de entidades formalmente constituídas.

O interesse em conhecer melhor o potencial contributo da economia informal para a inclusão social de públicos desfavorecidos é antigo. A economia informal é, como sabemos, uma área complexa e cinzenta da nossa sociedade que se enquadra na economia não-registada, absorvendo parte das suas características genéricas: existe em todos os países do mundo, o seu tamanho, causas e consequências variam consoante a realidade socioeconómica de cada país e está sujeita a mutações ao longo do tempo. Por outro lado, a economia informal é a única fonte de rendimento para aqueles que vivem fora do mercado formal de emprego e das suas exigências mais formais (educação, qualificações profissionais, etc.) e que, por múltiplos fatores, não conseguem aceder ao emprego de forma a assegurar a sua integração profissional.

A economia informal não deixa de representar um recrudescimento dos riscos associados à redistribuição e ao financiamento a longo prazo dos sistemas de proteção social. Mais, economia informal significa menos economia formal, comprometendo, por falta de recursos, a proteção social digna na economia formal. A ausência de proteção social na economia informal deve, por isso, ser explorada para “transportar” trabalhadores inseridos nessa economia para o mercado formal de emprego.

A nível micro, os indivíduos envolvidos na economia informal observam, como principal consequência, a ausência de proteção formal, acentuando a vulnerabilidade já existente. A ausência de proteção face ao desemprego, à doença, mas também face a situações como a parentalidade ou o envelhecimento, constitui frequentemente uma fonte significativa de adversidade, verificando-se, neste sentido, uma incapacidade de exercício de direitos de cidadania fortemente correlacionados com o emprego. Por outro lado, considerando algumas características frequentemente associadas ao trabalho desenvolvido no âmbito da economia informal, nomeadamente a sua frequência irregular, os baixos rendimentos e as jornadas longas de trabalho, é possível também antever consequências a nível físico e/ou psicológico.

A falta de proteção social é, assim, uma das características mais marcantes da economia informal, constituindo, por isso, um dos fatores de exclusão social. O crescimento da economia informal significa que mais pessoas ou nunca tiveram acesso aos mecanismos formais de proteção social ou estão, gradualmente, a perder a proteção que tinham. No entanto, aqueles que se encontram a desenvolver trabalho no âmbito da economia informal apresentam frequentemente uma maior necessidade de proteção social, não só pela sua frágil e insegura situação, mas também, pela sua maior exposição a riscos de saúde e de segurança laboral. Estes riscos são por vezes extensíveis às próprias famílias e vizinhos, uma vez que, para muitos trabalhadores informais, a casa constitui o seu principal local de trabalho.

Sendo reconhecida a situação de desvantagem dos trabalhadores da economia informal em termos de direitos e acesso ao emprego formal, bem como em termos de acesso à proteção social, importa também evidenciar a dimensão “género”. Em primeiro lugar, em muitos países, a maioria dos trabalhadores da economia informal são mulheres e a falta de proteção social de que são alvo é um indicador da sua exclusão social. Em segundo lugar, as mulheres assumem uma função de cuidador na sociedade e as recentes alterações demográficas deixaram cada vez mais mulheres com dificuldades, encargos e menos recursos para cuidarem de si e das suas famílias.

Em síntese, embora as atividades da economia informal possam apresentar uma clara mais-valia para os trabalhadores e para as comunidades que beneficiam dos bens produzidos ou dos serviços prestados, torna-se necessário uma melhor compreensão das situações concretas, que permita distinguir atividades de economia informal que resultam de “estratégias de sobrevivência” individual e atividades de economia informal que resultam de uma prática continuada de subdeclaração por parte de entidades formalmente constituídas.

Importa ainda relembrar que alguns serviços sociais foram, no passado, inicialmente assegurados no âmbito da economia informal, tendo-se neste sentido constituído como um efetivo trampolim entre a economia informal e a economia formal. A economia informal oferece, assim, um conjunto de exemplos que, pela sua flexibilidade, proximidade às necessidades dos cidadãos, rápida e mais fácil remuneração podem ser encarados como meios importantes de incluir os que estão em maior risco de pobreza e mais afastados do mercado formal de emprego.

A economia informal permite a sobrevivência ou a incubação de pequenos/micro negócios que, por via legal, não seriam possíveis devido à carga de obrigações fiscais, laborais e burocráticas, atuando assim de forma benéfica no empreendedorismo de negócios em pequena escala e potenciando a criação do próprio emprego. Na verdade, a forte ligação que existe entre a pobreza e a economia informal permite antever a possibilidade de medidas orientadas para a economia informal, de modo a promover o trabalho digno para aqueles que se encontram nela envolvidos e, assim, combater a pobreza. A outro nível, complementar, políticas eficazes de combate à pobreza poderão facilitar a mudança daqueles que estão na economia informal, para um trabalho mais produtivo, protegido e digno.

Óscar Afonso
Opinião Jornal i 08.03.2017