EFEMÉRIDE? PARA QUE TE QUERO?

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Hoje assinala-se o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência! Portanto, parabéns para mim?

Gosto de palavras. Gosto da liberdade de as poder usar e gosto de conhecer cada vez mais o poder que elas têm sobre as nossas ações. A língua portuguesa é demasiado rica para o uso que lamentavelmente lhe damos. Já eu gosto de a descobrir, à medida que cresce a minha vontade de comunicar com o mundo e incluir-me nele.

Os meus pais deram-me um nome quando nasci. É esse nome que as pessoas usam para me chamar, em todos os dias do ano. Mas eu não sou só portadora de um nome. Sou também portadora de deficiência e de uma cadeira de rodas, desde que existo. Essas são características que eu tenho – também diariamente – mas que não me definem enquanto pessoa. Fazem parte de mim mas não são eu. Por isso, o único dia em que assumo como a da celebração de quem eu sou é o dia do meu nascimento. No entanto, a sociedade atual criou (e continua a criar) efemérides nas quais eu podia perfeitamente “enfiar a carapuça”.

Hoje assinala-se o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência! Portanto, parabéns para mim?

Desculpem, mas eu nunca fui uma defensora acérrima do dia 3 de dezembro, o que também não me torna necessariamente alguém do contra. Só que não passo um ano inteiro à espera deste dia. Bem vistas as coisas, eu sou uma pessoa “com” deficiência desde 1983 e a ONU apenas criou esta efeméride a 14 de Outubro de 1992. Com o objetivo de, assinalando este dia internacionalmente, todos os países passarem a comemorar a data, gerando consciencialização, compromisso e ações que transformem a situação dos deficientes no mundo. Ando cá há 32 anos a ouvir falar de consciência e de comprometimento, agora ações facilitadoras, refletidas no dia-a-dia das pessoas como eu, como forma de inclusão, essas caem constantemente no esquecimento dos que criam as leis ou são responsáveis pelo seu cumprimento.

Ser alguém com deficiência não é uma opção, existe 365 dias por ano. Segundo, não é uma escolha “dos outros”. Isto é, se não é algo que não nasceu connosco, já não nos apanha! Ter consciência do que é esta efeméride, do que significa a condição de “pessoa com deficiência”, é ter cada vez mais consciência sobre quem somos. “Pessoa” vem antes de “deficiência”, por isso adquiri-la está ao alcance de qualquer um; seja por velhice, acidente, insucesso de uma cirurgia, negligência médica ou até o aparecimento de uma doença. Por incrível que pareça, as pessoas com deficiência não são necessariamente doentes, mas o contrário pode acontecer.

Será que é porque a palavra “efeméride” tem a mesma etimologia do que a palavra “efémero/a”, que significa “dura um dia”? O que eu sei é que precisamos de fazer muito mais pelas pessoas do que assinala-las. Aquilo que eu defendo é que a linha que separa os “coitadinhos” dos “super-heróis” – e que normalmente vem agarrada à palavra deficiência – deve existir (e subsistir) na agenda mediática, para lá deste dia. Que se façam conferências sobre a temática, descerrem placas em inaugurações de obras com melhores condições de acessibilidade, ofereçam tempo de antena nos media a quem precisa de se fazer ouvir (e de alguma forma se sente “aprisionado” na sua condição de pessoa com deficiência), mas acima de tudo que consigamos ser, cada um de nós, mais pró-inclusivos no nosso dia-a-dia.

Que longe dos holofotes, microfones e rótulos de pessoas conscientes das diferenças “dos outros”, façamos um compromisso diário com a nossa condição de cidadãos e, por exemplo, que coloquemos isso em prática, ao não estacionarmos em lugares reservados. Nem por cinco minutos.

Ser portador de deficiência não é um número, que faz parte de uma estatística; é ser alguém com necessidades especificas, que podem ser supridas numa sociedade virada para as pessoas e não para as datas. Precisamos de chamar as pessoas pelo nome, conhecer os seus rostos e as suas histórias, tanto de frustração como de superação diária, para lá de um dia instituído no calendário. Precisamos de aprender a conhecer o poder da palavra INCLUSÃO, gostar dela, e fazer bom uso dela, naquilo que a todos e a cada um diz respeito.

Mafalda Ribeiro
Opinião Visão 03.12.2015