Uma das mais devastadoras consequências da crise europeia é o desencanto democrático que arrasta no seu caminho. O grito de insubmissão do novo governo grego tornou-se um grito europeu (e, nessa medida, como Francisco Louçã corretamente sugeriu, um grito que serve o próprio interesse nacional português) contra a tirania do Tratado Orçamental. Esse monstro do direito internacional público, que retira aos parlamentos o seu poder sobre a política fiscal e orçamental. Ninguém sabe se teremos força e talento na UE para mudar uma rota agónica, que adia, mas não parece capaz de evitar o eventual colapso do euro e uma nova balbúrdia europeia de proporções universais. Há dias, o Eurostat publicou estatísticas impressionantes sobre “as responsabilidades contingentes” dos Estados. Trata-se de despesa pública que foi comprometida, deliberadamente, fora do perímetro orçamental da contabilidade europeia. Para fintar o limite de endividamento público fixado pelas regras da zona euro. Os dados envergonham Portugal. Em 2013, os encargos do país com 120 parcerias público-privadas corresponderam a 5,12% do PIB nacional. Ou seja, pagamos mais com a dívida contraída, em nosso nome e sem supervisão, por um punhado de ministros, empresários, banqueiros e advogados, do que com o serviço da dívida pública (estimada em 4,3% do PIB, em 2014). Mudar as regras da união monetária, reestruturar as dívidas excessivas são tarefas europeias. Acabar com o poder oculto e opaco que está na raiz das PPP, favorável à corrupção de todos os tipos, que inundou o país de obras redundantes e sumptuárias, é algo que está em nosso inteiro poder. A denúncia das PPP e dos seus arquitetos é uma prova de vida democrática. Para saber se somos cidadãos capazes de aprender, ou metecos incorrigíveis.
Viriato Seromenho-Marques
Opinião DN 26.02.2015