Tem havido duas vias, dominantes, de encarar o empobrecimento das periferias europeias, face aos processos de ajustamento austeros feitos na zona Euro.
A primeira vê nas diferenças acentuadas de rendimentos entre nações um mal menor, que se resolve com a mobilidade das pessoas. Minimiza a desertificação das regiões. A secundarização deste problema fará sucumbir a União Económica e Monetária (UEM). A história europeia, e outras, demonstram que estas situações levarão a tensões perigosas, bélicas ou não, bastando ver as reações xenófobas crescentes que por aí andam.
A segunda considera estes ajustamentos agressivos uma forma de repor a justiça, mesmo que possam ser economicamente errados, havendo que pagar os erros supostamente feitos. O ajustamento é encarado como uma punição moral. Estas visões moralistas, de nações eticamente hierarquizadas, já se revelaram, também, dramáticas na Europa.
Ou uma ou outra via matará a zona euro.
Recentemente, em Portugal, foram conhecidos, pelo INE, os dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, realizado em 2014, com dados de 2013. Neles estão o retrato social de dois anos de aplicação do memorando e de gestão deste Governo.
Dos dados do inquérito surge uma conclusão: o país tem empobrecido significativamente desde a entrada da troika, em termos relativos e absolutos, e empobreceu desigualmente, com o estrato mais pobre da população a pagar mais intensamente a austeridade do que os mais abastados.
Os dados são claros sobre várias situações sociais dramáticas.
A população em risco de pobreza é hoje significativamente maior (19,5%), afetando, só no último ano, mais 80 mil pessoas. Desde 2011, mais 160 mil. A diminuição destes valores era uma constante após o Governo de Durão de Barroso. Foi interrompida em 2011.
Aumentou a desigualdade na distribuição do rendimento, seja comparando os 10% mais ricos com os mais pobres, seja comparando os 20% mais pobres e ricos, neste caso, dois milhões de pessoas de cada lado. As diferenças passaram a ser, respectivamente, de 6,2 e de 11,1 vezes.
O trabalho, em Portugal, não é uma condição suficiente para deixar de se ser pobre, aumentando a proporção dos trabalhadores em risco de pobreza (10,7%).
Mais de 25% dos jovens, com menos de 17 anos, portanto um em cada quatro, vive numa situação de pobreza, o que a torna um fenómeno mais perene, injusto e difícil de combater.
Dentro dos pobres, a intensidade de pobreza aumentou em desfavor dos ainda mais débeis.
Por fim, quase 11% dos portugueses vive em privação material severa, o que significa uma subida de 2,3 pontos percentuais face a 2011.
Se, porventura, fixarmos o valor-limite da pobreza no valor de 2009 (cerca de 400€ acima do atual), o risco de pobreza estaria, inclusivamente, em 2013, em 25,9% – 6,4 pontos percentuais acima dos referidos atrás, pois, nos últimos anos, o país verificou uma redução significativa do PIB.
Estes dados, no seu dramatismo social, provam várias coisas. Que a austeridade afetou mais os mais pobres. Que tornou o país mais desigual. Que, no domínio social, foi um desastre, a par de não ter resolvido os principais desequilíbrios económicos.
Demonstram os números, ainda, que a pobreza é uma das grandes causas da desertificação demográfica que afeta as periferias da zona euro, incluindo Portugal. A pobreza impele as pessoas a emigrar. A pobreza diminui a capacidade potencial de os países crescerem. A pobreza duns, face à riqueza doutros, numa UEM sem política de rendimentos, que complemente os princípios orçamentais rígidos, mina e minará a moeda única e a União Europeia.
FRANCISCO MADELINO
Professor do ISCTE e ex-presidente do IEFP