Uma sociedade que não sabe aprender com os mais velhos é uma sociedade sem memória e sem capacidade de crítica.
(À laia do habitual disclaimer, deixo desde já registado que a alusão a velhos constante destas linhas é feita em sentido altamente irónico. A experiência dos mais velhos, chamemos as coisas pelos nomes, é um tesouro que estamos a desperdiçar.)
Tornou-se pública a intenção de alterar a legislação sobre reformas, no sentido de, entre outras, facultar o acesso sem penalizações aos cidadãos que tenham 48 anos de descontos e, pelo menos, 60 anos de idade. Trata-se, como se afigura evidente, de algo da mais elementar justiça, até porque as pessoas abrangidas por estas alterações terão iniciado a sua vida de trabalho aos 12 anos, maioritariamente em tarefas manuais.
Contudo, o que parece não ser discutido por quase ninguém é o fenómeno expulsivo dos mais velhos do mercado de trabalho, muitas vezes sob a justificação de que “ganham demais” e que “há que dar lugar aos outros”. Vivemos num país em que a taxa de natalidade é baixa mas nem por isso o grosso dos anúncios de emprego permite candidaturas a maiores de 35 anos, pairando o mito que, aos 50, quando não mesmo aos 40, uma pessoa “está velha para trabalhar” no mesmo transe que se sabe ser nova para a reforma.
Sob a égide da flexibilidade, o que temos vindo a assistir é à substituição dos contratos ditos de “efectivos” por vínculos precários, em que todos são descartáveis a todo o tempo, uma vez volvido o brilho inicial do “vestir a camisola” e à primeira reclamação sobre condições de trabalho.
Numa sociedade frenética, em que quase tudo se reduz ao movimento, ao brilho efémero, à novidade, o que se passou a pretender foi um permanente exército de “carne fresca”, movido pela esperança da entrada no famoso mercado de trabalho e disposto a quase tudo para nele poder permanecer, incluindo a trabalhar quase de graça. Uma geração que por vezes se permite assistir impávida à discriminação e à expulsão dos mais velhos da vida activa, na expectativa de que, com tal, possa subir um degrau na hierarquia, está esquecida que a máquina irrevogável do tempo não deixa ninguém incólume e um dia lhe tocará.
Uma sociedade que não sabe aprender com os mais velhos, que os remete para um mero papel de espectadores e de cuidadores dos netos (porque os filhos estão, por seu turno, demasiado ocupados a fazer o trabalho de três) é uma sociedade sem memória e sem capacidade de crítica. Em suma: o campo ideal para gerações inteiras que se substituem umas às outras a uma velocidade feroz, correndo como hamsters na roda colocada na gaiola.
Este país não é, de facto, para velhos. Por este caminho, não é, também, para os novos.