Jean-Claude Juncker, agora presidente da Comissão Europeia, pode ter sido impulsionado a afirmar que a troika “pecou contra a dignidade” dos portugueses, dos gregos e irlandeses por razões muito diversas e até contraditórias, mas a sua afirmação é, em si mesma, um fator político novo que é preciso “descascar” e trabalhar ofensivamente.
Juncker, que gosta de ostentar o título de governante “com sensibilidade social”, pode andar de consciência pesada face às práticas dos tempos de primeiro-ministro luxemburguês e de presidente do Eurogrupo. Como político experiente sabe muito bem que aquilo que está em jogo neste braço de ferro entre a gigantesca força da Alemanha e seus vassalos e a frágil Grécia, não é uma simples disputa, mas um processo político de enorme significado, onde se joga a vida de milhões de europeus em várias gerações. Neste contexto, a sua atitude – que só podia ter efeito se impregnada de alguma verdade que chocasse – tanto pode ter servido para “em desespero de causa” agir contra o desastre iminente, como para lavar as mãos face a possíveis “crimes”.
O novo fator trazido por Juncker desafia os povos europeus e, em particular, os que têm sido mais atingidos pelas políticas austeritárias, a fazerem duas exigências às instituições europeias e às instituições dos seus países: que procedam a uma séria avaliação dos impactos dos programas políticos seguidos; que adotem as medidas de reparação indispensáveis, pois não pode haver atentados à dignidade, a direitos fundamentais das pessoas, não pode haver apropriações indevidas de riqueza sem punição e sem reposição.
Em Portugal, de acordo com o diagnóstico da troika, o “programa de resgate” mais do que um paliativo, seria uma terapia eficaz na eliminação de deficiências estruturais da economia portuguesa, de onde resultaria a resolução de outros problemas. Os objetivos fundamentais do programa eram: a) estimular a competitividade e o crescimento; b) gerar confiança e estabilidade orçamental; c) salvaguardar a estabilidade financeira. O que observamos de resultados? O PIB real de 2014 ficou 5,5% abaixo do nível que tinha em 2010; o emprego não caiu os 1,1% previstos mas sim 7,1%; os cortes orçamentais em áreas sensíveis e o aumento de impostos e outras taxas foram enormes; a dívida pública, que segundo a troika deveria estar em 115% do PIB em 2014, afinal atingiu os 129%; a “desalavancagem” do setor bancário transformou-se num pesadelo para a bolsa dos portugueses e mesmo assim até a falência do BES aconteceu; a recuperação é uma miragem e o “pisca-pisca” em torno do zero continua; o desemprego oficial é muito mais elevado que o previsto e grande parte está escondido por truques estatísticos.
Temos empobrecimento forçado de centenas de milhares de portugueses, transferência de milhares de milhões de euros do trabalho para o capital, cerca de 400 mil jovens escorraçados para a emigração, agravamento da pobreza que já em 2013 colocava em risco 25,6% das crianças, carências crescentes na saúde e no ensino, assistencialismo em vez de cidadania social.
A dignidade dos portugueses foi atingida. E por avaliar estão ainda outros impactos: i) a alteração da estrutura da propriedade que levou à entrega de grandes grupos económicos e da banca a multinacionais e capitais estrangeiros; ii) as profundas mudanças na estrutura do Estado e na capacidade de este assegurar direitos fundamentais aos portugueses; iii) a imposição de uma distribuição da riqueza mais injusta que aprofundou desigualdades.
Numa conferência que hoje se realiza em Lisboa, a Iniciativa da Auditoria Cidadã à Dívida Pública (IAC) assume, com grande oportunidade, que “em Portugal, como noutros países da Europa sujeitos ao castigo da troika, este é o momento para reafirmar a prioridade das necessidades e da dignidade das pessoas sobre os interesses da finança”.
O Governo português, as instituições e forças que o apoiam têm de ser confrontados com a responsabilidade dos seus atos. É inadmissível e criminosa a subserviência do Governo aos grandes mandantes europeus que nos exploram e vergonhoso o seu papel de “rafeiro político” a morder o povo grego. Mas o crime maior é o da governação contra o interesse nacional. Combatendo a desesperança há que aumentar a denúncia e apear este governo do poder.