Já lá vão quatro semanas que fomos a eleições e, pela frente, teremos quase outras tantas até que um novo Governo se apresente diante de nós com um programa e um orçamento aprovados. Esperemos sentados, pois.
No que tomou posse anteontem, nem os empossados acreditam. E dele hão de rezar os anais como um dos mais breves da nossa história democrática. Lembra uma turma de milicianos paraquedistas antecipadamente preparados para cair.
Bem pregou o presidente que, durante meses, foi dizendo que “é extremamente desejável que o próximo Governo disponha de apoio maioritário e consistente na Assembleia da República”. Por mais polémicas que possam suscitar algumas das suas palavras, havemos de concordar que “a incerteza sobre o destino de um Governo, a instabilidade permanente, a contínua ameaça de queda do Executivo são riscos que, na atual conjuntura, o país não deve correr”.
Mas corre. E decorre, porque é esse o quadro que resultou da vontade soberana do povo, ao eleger uma maioria de deputados hostis à coligação que nos governou nos últimos quatro anos.
Os anos da crise que nos empobreceu cavaram a desconfiança. Onde se desejavam pontes e diálogo acentuaram-se divisões. E está aí um tempo novo, de crispação. A responsabilidade coletiva dos que votaram não isenta, porém, a responsabilidade maior daqueles a quem confiamos a condução dos nossos destinos. A começar no próprio presidente, que não deu ouvidos a quantos, mesmo entre os conselheiros de Estado, o exortaram a marcar eleições para antes do verão, quando perfaziam os quatro anos da legislatura.
Agora, temos um país adiado, sem Orçamento do Estado, e atrasado na resposta a alguns dos seus compromissos internacionais. À crise económica juntámos uma crise política cujo desfecho ainda desconhecemos. Porque não basta afirmar uma maioria hostil aos que estão. É preciso que essa maioria se traduza numa alternativa positiva, clara e credível, com acordo de rumo e papel assinado.
O problema maior é que a crise tem gente dentro, pessoas reais, milhares de desempregados, empresas e investidores com decisões suspensas ou bloqueadas, à espera de uma orientação.
Seja qual for o Governo que aí vem, lá para meados de novembro, o ano de 2016 prenuncia dificuldades e margem estreita. Não há mais emprego sem mais investimento. E não há investimento sem confiança. Da mesma forma que não é possível distribuir valor que não se cria. Por cá, navegação à vista é fado antigo, estafado.
Afonso Camões
Opinião JN 01.11.2015