Este governo – que nos acena com a bandeira de um programa eleitoral cuja legenda é “Agora Portugal pode mais” e que dá à coligação com que de novo se apresenta a graça, bordada nos cartazes de campanha, de “Portugal à Frente” – não pode estar senão a ‘mangar’ connosco.
Diz o povo que “elogio em boca própria é vitupério” – mas do que se faz esquecida, a lampeirice destes dizeres, é de que será o povo a julgar estes anos (por mais exercícios de auto-elogio com que a propaganda se entretenha).
Se agora pode mais ou menos, será cada um de nós a dizer. Já quanto a “Portugal à Frente”, ou é sigla ignorante ou pretende fazer de nós parvos. Em português, “à frente” não existe, por si só – implica “de quê” ou “em quê”. Tal falta, no caso deste governo, torna a expressão numa caricatura de si mesma. Portugal à frente… de quê, em quê? Em relação a quê, ou em que campeonato implícito, está/vai Portugal à frente? Ou pretenderão dizer-nos que, agora sim, vão pôr os interesses do país à frente de quaisquer outros? Mas como, se a gente sabe, porque no-lo disseram sempre, o que significa para eles “o país”? Quem não se lembra do que tanta vez disseram: que o “país” estava melhor, embora “as pessoas” não? E que “as pessoas” tinham de engolir o “remédio”, por mais amargo e mais mal que lhes fizesse, custasse o que custasse? Na perspectiva de quem assim fala, “o país” é uma coisa – e “as pessoas” (isto é: nós) outra. E os interesses das “pessoas” (isto é: os nossos) nunca contam – apenas contam os interesses daquilo a que chamam “país”.
Ninguém se esquecerá do que disseram, para se fazerem eleger – nem do que fizeram, todo o tempo…
“Quem mente uma vez, mente sempre” – diz o povo. Que também avisa: “Cesteiro que faz um cesto faz um cento – é só dar-lhe verga e tempo”.
Perante isto, vamos dar-lhes poder, mais tempo? Alguém acredita no que digam, agora?
Porém, esta propaganda a alguém se dirige – e não é senão a cada um de nós, votantes.
Numa espécie de programa que agora deram à luz, dizem-se conduzidos “por essa prioridade de justiça social e de coesão nacional”. Que querem “defesa” e “reforço do Estado Social” – tendo “como preocupação primeira o combate, sem tréguas, às desigualdades sociais”. Acenam com um “Estado (…) mais próximo dos cidadãos e mais amigo das empresas” – e com “políticas públicas amigas das famílias”. Este desplante fala por si. Por “mais amigo das empresas”, bem sabemos o que entendem. E “mais amigo das famílias”, só pode ser também na concepção de “famílias” que têm.
Apresentadas como “programa”, temos páginas e páginas cheias de nada. Veja-se, por exemplo, este desiderato:
«QUEREMOS MAIS CRESCIMENTO ECONÓMICO E EMPREGO. QUEREMOS MAIS ACESSO À SAÚDE. QUEREMOS MAIS COMBATE ÀS DESIGUALDADES SOCIAIS. QUEREMOS MAIS QUALIDADE NA EDUCAÇÃO. QUEREMOS MAIS EQUILÍBRIO DEMOGRÁFICO.»
“Mais”, em relação a quê? Não esteve esta coligação no poder, todo este tempo? E foi nesse sentido que governou: no do crescimento do “emprego”, do “acesso à saúde”, do “combate às desigualdades”, de “qualidade na educação”, de “equilíbrio demográfico”?
Não é só o vazio de muito do que é dito (“verdadeira mudança de paradigma”, “ficar para trás”, “designo (sic) prioritário”, “desafio”, “aposta”, “implementar uma agenda”) – é o modo fingidamente virginal com que se apresenta quem esteve no poder ao longo destes anos para ser julgado por eles:
“Ambicionamos, assim, uma verdadeira mudança de paradigma, garantindo a proteção de quem mais precisa, potenciando a mobilidade social e promovendo a inclusão social” – Uma “verdadeira
mudança de paradigma”? A sério? Mas então não disseram sempre que estavam a proteger “quem mais precisa”? Afinal, em que ficamos?
“No País que desejamos, todos têm lugar e ninguém pode ficar para trás. É este o nosso designo (sic, p. 3) prioritário e para este desafio todos estão convocados.”
Não é isto fazer pouco de nós? Como é que quem esteve no poder e fez o que fez, connosco, destratando “funcionários públicos” e reformados, plantando egoísmos de estaca e esfarrapando a “coesão nacional”, promovendo, persistentemente, ruptura entre grupos e gerações, se atreve agora a dirigir-se-nos deste jeito?
Se “todos estão convocados”, não é para o “designo (?) prioritário” da coligação que se diz “PàF” – é para cada um julgar este governo, votando.
Dar-lhes-emos, a tais governantes, uma lição a valer – os desrespeitados, os espoliados, os desempregados, os “precários”, os forçados a emigrar, os “funcionários públicos”, os “pensionistas”? Nós, os mais velhos, os reformados – os que sabemos, da vida, o que eles nunca aprenderão? É esse o “desafio” para que eles nos “convocam”.
Que vão fazer pouco deles – porque não merecem mais. Nós merecemos. Votaremos, sim.
Aida Santos
Coordenadora da APre!
[Nota: a autora não escreve, por opção, segundo o Acordo Ortográfico]