Fisco: a PIDE incompetente

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Para quem está a ter a experiência de – uma vez mais – lidar com a incompetência da Autoridade Tributária (AT), vulgo fisco, na entrega das declarações de IRS, esta é a oportunidade para recordar aquilo em que o fisco se transformou nos últimos anos. Trata-se, evidentemente, de uma subversão de tudo aquilo que se espera dos serviços públicos (pagos, obviamente, por todos os cidadãos contribuintes). É assaz alarmante que estes serviços sejam – além de profundamente lentos e incompetentes – uma espécie de polícia omnipresente, que tudo pode ver e que tudo pode fazer em relação à vida dos cidadãos contribuintes portugueses. E além de – para cúmulo – o atual fisco poder cobrar portagens e prestar outros serviços a entidades privadas, há um constante abuso de poder e de autoridade da parte deste serviço do Estado que, afinal, é paga e pertence-nos a todos, enquanto cidadãos. Além disso, este é, naturalmente, um dos principais focos de revolta latente das populações, que se sentem injustiçadas, impotentes e indignadas perante a orientação política que – desde há uns anos a esta parte – tem marcado a atuação do fisco.

Como é do conhecimento geral, os registos de abusos são cada vez maiores, e vão desde penhoras de bens imóveis de contribuintes (em muitos casos – espante-se – a sua própria casa) à conta de uma pretensa dívida de cêntimos, até à cobrança coerciva de centenas ou de milhares de euros que, em muitos casos, resultam de enganos grosseiros do sistema informático e/ou do excesso de zelo (para não dizer abuso) dos funcionários. Preocupa-me, obviamente, que não exista a possibilidade de defesa da parte dos cidadãos perante estes abusos e que – além disso, e mais grave – se tenha instalado na subcultura dos funcionários do fisco a ideia de que os portugueses são todos uns incumpridores fiscais, uma espécie de povo que importa explorar e subjugar com a máxima cobrança possível de impostos. Depois, e mais recentemente, acrescenta-se a este clima de medo que me faz lembrar a PIDE (a polícia secreta infame da ditadura de Oliveira Salazar, que cometia toda a espécie de abusos e de torturas físicas e psicológicas), todo um conjunto de procedimentos que visam esbulhar fiscalmente os portugueses, aplicados com uma única preocupação: a do lucro. Este é – bem entendido – o resultado de uma cultura de gestão que foi implementada nos últimos anos no fisco, transformando o seu departamento de cobranças numa unidade de gestão na qual os seus funcionários recebem prémios em função dos montantes de impostos cobrados. Sem olhar a meios. Sem controlo. Sem qualquer espécie de regulação.

Por fim – e para escândalo – ficámos a saber pelas notícias recentes do DN que estava criada uma lista VIP de contribuintes que “favorecia” ou pelo menos “protegia” algumas das figuras da área política (como se os cidadão não fossem todos iguais perante a lei e o fisco…). E estamos agora a descobrir que existem “11 600 utilizadores” que podem aceder aos nossos dados fiscais. Além de ser muito preocupante – dado que o fisco é hoje, como se percebe, uma entidade sem controlo e que comete muitos abusos na sua atuação quotidiana -, esta situação também nos diz da permeabilidade e da falta de segurança deste organismo estatal e público.

Para quem – como eu – pensava que depois do 25 de abril de 1974 a ameaça de uma ditadura e dos seus mecanismos de coerção estaria afastada do nosso país, não podia – na verdade – estar mais equivocado. Mas quem vai pôr um travão a isto? Teria, certamente, o meu voto e o voto de muitos dos portugueses. Até mesmo – bem sei – dos funcionários ficais que – sejamos justos – se limitam na esmagadora maioria dos casos a cumprir ordens.

Paulo Pereira de Almeida
Opinião DN 03.04.2015