Fundo de pensões de Gaspar
evita comprar dívida pública portuguesa
Ao contrário dos fundos públicos geridos pelo Estado, o fundo de pensões do banco central tinha mais dívida belga e francesa que portuguesa.
O fundo de pensões do Banco de Portugal constitui um caso de excepção, a vários níveis. É o único fundo com a responsabilidade pelo pagamento de pensões de quadros bancários que se mantém independente no sector, após a transferência feita em 2011. É também o único fundo de pensões público que se mantém autónomo, ou seja, não foi integrado na Caixa Geral de Aposentações.
O fundo de pensões do banco central distingue-se ainda por estar sujeito à supervisão do Instituto de Seguros de Portugal e ter uma exposição muito menor à dívida pública portuguesa que os restantes fundos de pensões públicos. Está por isso mais protegido contra o risco de uma reestruturação da dívida, que muitos apontam como inevitável em caso de segundo resgate a Portugal, um cenário que ganhou força após a crise política. O relatório e contas da sociedade gestora revela que, no final de 2012, o fundo tinha mais recursos investidos em activos da Bélgica e de França que de Portugal, que representava apenas 16,3% da carteira. A maior fatia estava aplicada em dívida pública (78%), pelo que o fundo terá mais dívida belga e francesa que portuguesa.
Estes dados contrastam com a evolução do investimento das pensões do Estado ou de entidades públicas. O governo deu orientações ao fundo de capitalização da Segurança Social para investir até 90% dos seus recursos em dívida soberana portuguesa. O fundo serve de almofada para o pagamento de pensões em caso de ruptura na Segurança Social. No final de Maio, 55,6% do seu património estava já aplicado em dívida pública.
No passado recente, vários fundos de pensões do Estado, designadamente de empresas públicas ou privatizadas – Caixa Geral de Depósitos e Portugal Telecom -, foram transferidos para a Caixa Geral de Aposentações. Estas operações geraram uma receita extraordinária para cobrir o défice público. Mas neste processo, todos os activos dos fundos foram convertidos em dívida pública.
No total, o património dos fundos de pensões públicos já têm 10 mil milhões aplicados em dívida portuguesa. Este valor pode chegar aos 14 mil milhões de euros até 2015 com a mudança aprovada pelo governo em Julho, tornando-se um maiores detentores da dívida.
Com um património, que no final do ano passado valia 1431 milhões de euros, o fundo de pensões do Banco de Portugal já foi apontado como possível almofada para várias despesas públicas, a última das quais o pagamento de rescisões na função pública. Mas até agora manteve a autonomia. Porquê?
O FUNDO DOS EX-MINISTROS Alguns ironicamente apontam a circunstância de vários ex-ministros das Finanças serem seus beneficiários enquanto quadros ou ex-quadros do Banco de Portugal. É o caso, por exemplo, de Manuela Ferreira Leite, que transferiu o fundo de pensões dos CTT para o Estado, do Presidente da República, Cavaco Silva, mas também de Vítor Gaspar. A última decisão do ministro das Finanças, que dias depois da demissão estava de volta ao Banco de Portugal, foi dar instruções ao fundo da Segurança Social para reforçar o investimento em dívida soberana.
No entanto, haverá razões legais. O fundo de pensões é património dos seus contribuintes, os trabalhadores e o banco, e as regras do euro limitam a utilização de recursos dos bancos centrais para financiar os estados.
Debaixo da supervisão do ISP, o fundo de pensões do Banco de Portugal segue regras defensivas de minimização do risco e de garantia de liquidez para pagar pensões. Uma delas é a diversificação em tipos de título (obrigações, acções, imóveis) e geográfica (mercados). Outra preocupação é a limitação da exposição a activos de maior risco e de rating mais baixo. Em 2012, cerca de 65% da carteira estava aplicada em títulos “investment grade”, ou seja, com nota acima de “A”. Nas obrigações, esta classificação representava quase 90% do investimento. No patamar “BB” e “BBB”, onde está a dívida portuguesa, a exposição era de 11,7%. Em 2012, o banco teve de fazer uma entrega extraordinária de 50 milhões para reduzir a exposição do balanço ao risco de volatilidade, “num contexto de persistência da crise da dívida da área do euro”.
O fundo de pensões do banco central tem 3820 beneficiários, dos quais 1410 estão no activo e os restantes são pensionistas ou reformados. O fundo é responsável pelas pensões de quem foi admitido até Março de 2009, data a partir da qual deixou de receber novos contribuintes activos. Os novos quadros estão na Segurança Social, mas têm direito a um fundo de contribuição definida que é complementar à reforma do sistema público.
Por Ana Suspiro
publicado em 20 Ago 2013
Jornal «i»