Glória sem poder

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Num interessante ensaio de Giorgio Agamben (O Reino e a Glória, 2007), o filósofo italiano tentou mostrar como a democracia secularizou o binómio teológico do poder e glória divinos, patente nas raízes do cristianismo. A eleição presidencial que conduziu ontem Marcelo Rebelo de Sousa a Belém manifesta essa glória política. Não apenas pelos ecos de majestade que ressoam na mais alta magistratura republicana, mas também pelo suplemento de legitimidade concreta que uma eleição geral fornece à ideia, sempre reguladora, da soberania popular. Contudo, o passado próximo e as perspetivas futuras colocam a funda interrogação de saber até que ponto esta glória será acompanhada por poder efetivo. Marcelo vai presidir a uma nação que vive, dramaticamente, o paradoxal labirinto europeu das soberanias desarmadas. As duas mais graves e recentes decisões para o nosso futuro coletivo (o Banif e a penalização parcial dos credores seniores do Novo Banco) foram impostas ao governo e ao BdP, respetivamente, pela Comissão e pelo BCE. Em ambos os casos, burocracias anónimas e inimputáveis (que insistem em negar a sua responsabilidade) obrigaram a medidas que se vão traduzir em perdas incalculáveis para o erário público. Olhando em frente, Marcelo enfrentará cinco anos sísmicos. A crise da zona euro (ZE) enrodilhou-se num labirinto de problemas sem solução aparente. A infelicidade dos refugiados não só ameaça destruir as frágeis democracias de leste (na senda da Hungria e da Polónia), como paralisou Merkel, deixando a Europa ainda mais à deriva. A UE poderá partir-se, já este ano, com o brexit. Schengen choca contra novas fronteiras muradas. O medo cresce onde o terrorismo justifica o estado de emergência perpétuo, como em França. E só o medo mantém a amarga coesão da ZE. Tudo isto num clima económico internacional de nuvens carregadas. O PR não estará sozinho a segurar o leme, mas ele será o único com legitimidade para nunca o largar no próximo lustro. E só o bom uso desse frágil poder justificará a verdadeira glória.

Viriato Seromenho-Marques
Opinião DN 25.01.2016