A notícia estava ontem na primeira página do Times. O Serviço Nacional de Saúde britânico vai lançar e lançar-se num projeto nacional inédito: o planeamento urbano. Ou seja, a construção de “cidades saudáveis”, leia-se amigas sobretudo das crianças e dos mais velhos, para combater a obesidade e o isolamento respetivos. Haverá ruas “mais aventurosas” para convencer os mais novos a trocar os jogos de vídeo pelas brincadeiras na rua e zonas livres de restaurantes de fast food nas imediações das escolas. A tecnologia, por outro lado, irá ajudar a criar “lares virtuais”, ligando as casas dos mais velhos entre si e as equipas de cuidados domiciliários. Simon Stevens, o trabalhista responsável pelo Serviço Nacional de Saúde inglês desde 2014, defende que a arquitetura e o design influenciam a saúde e que esta é uma “oportunidade de ouro” para o provar. Se o projeto tiver sucesso, Stevens acredita que outras cidades seguirão o exemplo, levando o projeto a cumprir o objetivo mais imediato: salvar o Serviço Nacional de Saúde inglês da bancarrota. Ingleses mais saudáveis precisam que lhes tratem menos da saúde. Cem autarquias e inúmeras empresas construtoras candidataram-se ao novo projeto. Dez foram já escolhidas para ser pioneiras na construção de raiz destas “cidades saudáveis” que vão somar, nesta primeira fase, 76 mil habitações para 170 mil residentes. Com mais uma vantagem: o projeto tem um custo zero para o Serviço Nacional de Saúde inglês. Podemos sempre dizer – e não sem razão – que à saúde dos ingleses também não faltam problemas e que o projeto resumido acima tem tudo para ser uma boa ideia, mas das megalómanas. Um elefante branco? O tempo encarregar-se-á de o desmentir ou provar. Por cá, as notícias da saúde, infelizmente, atiram-nos sempre para trás. Falta ainda muito do básico – nos cuidados primários, que agora se vão alargar, e nos cuidados àqueles que estão em fim de vida. Se a falta de cuidados continuados é enorme, a falta de cuidados paliativos é ainda maior. Custa a acreditar nos números: na cidade de Lisboa existem apenas 19 camas públicas – e estão em duas unidades privadas com convenção com o Serviço Nacional de Saúde – para receber estes doentes e 18 equipas domiciliárias no país inteiro que prestam este tipo de apoio. Há regiões que têm camas a mais e outras não têm uma única. O Serviço Nacional de Saúde só tem capacidade para apoiar 10% destes doentes por ano – cerca de 7500 de um total de doentes que andará entre os 72 mil e os 80 mil de acordo com o Observatório Português de Cuidados Paliativos. Neste campo, o Serviço Nacional de Saúde português continua no grau zero.
Grau zero
Mónica Bello
DN 02.03.2016