Na última quarta-feira à noite, segundo o site da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), havia 127 incêndios ativos em Portugal continental, envolvendo cerca de dois mil bombeiros no terreno. Na Madeira, a situação continuava de alto risco e consequências de uma gravidade excecional.
Sabendo-se da vegetação e mato acumulados nos últimos dois invernos, de 2014 e 2015 (anos com verões suaves e com tal baixa incidência de fogos que nos fizeram sonhar que estava tudo controlado), e com as condições atmosféricas adversas que se preveem por mais alguns dias, nem que tivéssemos o triplo dos meios escaparíamos à fatalidade dos incêndios.
O problema é outro e está há muito tempo estudado. Mais precisamente, depois dos anos de 2003 – em que arderam 425 mil hectares de floresta e mato, uma área quase equivalente à do Algarve – e 2005 – mais 339 mil hectares ardidos. Pouco tempo depois, foi aprovado o Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios, por Resolução do Conselho de Ministros de 26 de maio de 2006, durante o primeiro Governo de José Sócrates. O diagnóstico está lá todo feito, bem como as principais medidas a tomar, resultado de um estudo em congregação notável de esforços entre entidades oficiais, investigadores e técnicos das áreas da floresta e da proteção civil.
Aí se fez um historial das políticas de floresta desde a fundação de Portugal, apontaram-se grandes princípios gerais («maior eficácia nas ações de prevenção, vigilância e deteção e fiscalização» contra incêndios, «maior capacidade operacional» e «maior unidade no planeamento, na direção e no comando das operações de proteção e socorro»), bem como as medidas para os concretizar e as entidades com responsabilidade de as desenvolver. E metas quantificadas em termos de resultados. Aliás, era suposto o plano desenvolver-se em dois grandes períodos: primeiro até 2012 e, depois, até 2018. Previa-se ainda que anualmente fosse feito um relatório de prestação de contas do plano – mas o último data de 2010.
Uma década depois, apercebemo-nos de que uma coisa mudou, de facto: os meios de combate a incêndios são hoje muito maiores, tendo sido feito um grande investimento nos serviços de proteção civil, hoje mais eficazes, e no equipamento dos bombeiros. Mesmo assim, isso aconteceu no Continente, porque na Madeira é o que se vê: depois dos milhões que a região recebeu na sequência das cheias devastadoras de fevereiro de 2010 (em que morreram 40 pessoas) e dos fogos do verão seguinte, não houve nem mais meios de socorro nem esforço na prevenção, a começar pela limitação de construção em zonas que deviam funcionar como faixas de proteção.
O mesmo investimento e evolução já não ocorreram na parte da prevenção e os políticos sabem bem disso. A começar pelo atual primeiro-ministro, que era ministro da Administração Interna quando esse Plano foi aprovado e que ficou na história por ter feito então valer o seu peso político para conseguir um reforço orçamental sem precedentes nos meios de combate aos fogos. Por isso, não deixa de ser irónica a conferência de imprensa que deu esta terça-feira, na ANPC, quando finalmente o seu Governo pareceu ter acordado para o problema e apareceu à opinião pública. «Os incêndios evitam-se reestruturando a floresta», disse, entre outras coisas, António Costa, acrescentando que é preciso «não perder mais tempo» e avançar com as políticas necessárias.
No dia seguinte, o Presidente da República também defendeu que é preciso «repensar o problema do reordenamento do território». Só que está tudo mais do que pensado. O problema é que as medidas de prevenção – que exigem esforço para pôr várias entidades a trabalhar em conjunto no terreno e, sobretudo, perseverança política para que não se corte no respetivo orçamento, o qual, segundo os especialistas, nem será muito acima do que tem sido gasto no combate às chamas – não se vê e não dá fotografias nos jornais. Inaugurar quartéis de bombeiros e ‘salas de comando de situação’ com computadores de última geração tem sido mais fácil e eleitoralmente colorido.
É preciso, pois, políticos com coragem e que queiram fazer a opção correta do ponto de vista do interesse público, o que implica correr o risco de o seu trabalho só se ver daí a uns anos e em alturas de catástrofe como a atual. Mas são esses que ficam na História.