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Desligue a televisão e não ceda ao ódio das redes sociais. Há uma rede de solidariedade que importa mobilizar para uma ajuda sem prazo de validade. Este sim, pode ser o motor de uma consciência cívica sobre o território mais transformadora que mil decretos-lei.

Enquanto o país visto a partir de Lisboa anda entretido com a troca de afetos entre a Presidência da República e o Governo, há uma boa parte do país real que vive entre escombros, como se tivesse acontecido uma guerra. São quilómetros e quilómetros de floresta ardida, aldeias arrasadas, pessoas em choque que viram a morte à frente dos olhos.

De Lisboa transforma-se a realidade em números e o sucesso é medido em taxas de execução e dinheiro gasto. Os especialistas em tudo acotovelam-se a defender teses sobre fogos e reabilitação e a parlapatar dúvidas e suspeitas sobre as alvenarias de pedra que não conhecem, transformando-se nos maiores inimigos dos afetados e da solidariedade dos demais. Não se recupera do choque a partir do ódio, nem se ajuda o vizinho se se desconfiar.

Mas, no terreno, o sentimento geral é bem diferente. Há espanto e temor pela voracidade do fogo mas o ódio não encontrou terreno fértil. A luta contra a desgraça aproximou as pessoas e reforçou o sentido de comunidade. Da primeira fase onde se quer que tudo volte a ser como era dantes – período de choque de quem não queria que tivesse acontecido – parte-se para a ideia de projetar algo melhor – da casa à floresta, passando pela aldeia. É a reabilitação a ganhar forma em todos os sentidos.

E os que vivem fora, como podem redobrar a ajuda a curto prazo? Indo.

Lotando hotéis, restaurantes e lojas. Comprando o pão de ló e doces conventuais de Figueiró, os queijos em Oleiros, os maranhos na Sertã, o licor de medronho de Álvaro… Viajando pelas áreas ardidas e construindo o respeito pelo que se salvou. Valorizando e participando nos encontros e feiras que autarquias e entidades locais, em condições de extrema dificuldade, vão procurando manter.

Desligue a televisão e não ceda ao ódio das redes sociais. Há uma rede de solidariedade que importa mobilizar para uma ajuda sem prazo de validade. Este sim, pode ser o motor de uma consciência cívica sobre o território mais transformadora que mil decretos-lei.

Tiago Mota Saraiva
Jornal i opinião 30.10.2017