Parece que está tudo muito escandalizado com Maria Luís Albuquerque, a começar pelos seus colegas de governo. Disse ela, na noite do último sábado, achar que se pode mexer – leia-se cortar – nas pensões a pagamento. Mota Soares, o ministro que ostenta a pasta da Segurança Social, veio logo desmentir a colega: que não, que a maioria não tem nenhuma proposta dessas, por-amor-de-deus. E a própria, anteontem, fez mea culpa: “O governo, na minha pessoa ou na de qualquer outro dos membros do governo, não disse que tem de haver cortes nas pensões.”Realmente: o governo que em 2012 cortou os subsídios de Natal e férias a pensionistas (14% de corte), que em 2013 queria cortar-lhes um subsídio (7%, impedido pelo Tribunal Constitucional); que aplicou em 2013 e 2014 a contribuição extraordinária de solidariedade – no primeiro ano, um corte de 3% a 15% nas pensões a partir de 1350 euros ilíquidos; no segundo, de 2,5% a 15% a partir dos 1000 – e queria instaurar, com efeito deste ano em diante, uma tal de contribuição de sustentabilidade, cortando definitivamente as reformas de 1000 ou mais euros (TC atravessou-se), alguma vez disse ser preciso, obrigatório, mexer nas pensões em pagamento? Alguma vez garantiu ser tal corte “crucial para a sustentabilidade da Segurança Social”? Ignomínia. Aliás, nem vimos Paulo Portas, o líder do partido dos pensionistas, a rezar, em junho passado, pela possibilidade de a diminuição permanente das pensões passar no TC: “Assim seja constitucional, é tudo o que eu espero.” Não: nunca houve nem há cortes de pensões já atribuídas. As pensões entre 4611 e 7126 euros não estão a sofrer uma diminuição de 15%, sendo 40% daí para cima – não podem estar, porque nem o governo o lembra nem do BE, do PCP e do PS uma voz se insurge. Aliás, nenhum partido da oposição (ou Cavaco, que tem a tão chorada pensão diminuída em 40% mas não se atreve a levantar o problema) alguma vez pediu ao TC que se pronunciasse sobre isso – o tão sagrado princípio da confiança, pelos vistos, não se aplica às chamadas “pensões milionárias”, nas quais, recorde-se, foi o PS de Sócrates a aplicar o primeiro corte, no OE 2011. Se há pois princípio a assumir neste tema é o da desconfiança. É claro que o PSD e o CDS que se fartaram de cortar pensões em quatro anos de governo querem cortá-las definitivamente, e que isso está no seu programa, por mais que queiram, com eleições à porta, ocultá-lo. Mas se estamos, com este governo e maioria, ante recordistas mundiais do embuste e da demagogia, tal não pode servir de desculpa para omissões convenientes de outros nem faz potáveis escândalos de pacotilha como este das declarações da ministra das Finanças. Porque, afinal, que disse ela de tão chocante? Que “fazer a promessa de que não fazemos nada para aqueles que já são pensionistas e que vamos fazendo tudo sobre os que lá chegarão no futuro é de uma enorme injustiça”. E não é que nisto, por uma vez, tem toda a razão?
Fernanda Câncio
Opinião DN 29.05.20015