Lançar o isco

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No final de setembro, o Observatório da Emigração divulgou dados de 2014 que comprovavam manter-se um ritmo de saídas do país idêntico ao do ano anterior, contrariando o discurso da coligação Portugal à Frente (PàF). O relatório estava pronto desde julho mas, ao contrário do que é costume, não foi apresentado à Assembleia da República antes das férias. O atraso, explicou o Governo, deveu-se ao facto de haver ainda dados em falta e nada teve a ver com o calendário eleitoral.

Uma semana depois, uma carta da Direção-Geral dos Assuntos Consulares denunciava o protocolo de sete anos com o Observatório da Emigração, invocando quebra de confiança por este ter divulgado os dados sem autorização do Governo. Claro que todos acreditamos que as eleições foram um mero pormenor e que a coligação PSD/CDS não tentou esconder informações desagradáveis. Meras coincidências.

Recentemente foram publicados os dados dos benefícios fiscais atribuídos a mais de 16 400 empresas, habitualmente divulgados em maio. O Ministério das Finanças responsabilizou a Autoridade Tributária pelo atraso, dizendo que os serviços só enviaram os dados à tutela no final de outubro. Mais uma coincidência aborrecida.

Por mais que se tente manter a confiança nas explicações oficiais, as desculpas começam a parecer exageradas quando se fica a saber que, ao contrário do prometido, não haverá condições para devolver os 35% da sobretaxa prometidos pela PàF em pleno período de campanha. Diz agora o Governo que não houve qualquer tentativa de enganar os eleitores e que o recuo nas contas do fisco se deve a uma redução nas receitas de IRS associadas aos salários dos funcionários públicos.

Vejamos: Passos Coelho desconhecia esse cálculo quando deu como certa a devolução? Se desconhecia, só pode concluir-se que houve incompetência. Se não houve incompetência, então houve uma opção deliberada por transmitir um otimismo que veio a revelar-se falso. Há promessas que criam expectativas com tradução direta no sentido de voto. A devolução de parte da sobretaxa foi uma das mais badaladas e é inevitável a sensação de que fomos enganados.

Em todos os exemplos, fica no ar a suspeita de que os serviços públicos são controlados para sustentar uma narrativa favorável, em campanha, a quem está no Governo. É mais fácil ter iscos para lançar ao eleitorado quando se controla a máquina do Estado. Fácil, mas grave. E sempre que quem estiver no poder cair nessa tentação, merece ser castigado nas urnas.

Inês Cardoso

Opinião JN 23.11.15