DGS tem indícios de que os idosos são medicados em excesso. Crianças também tomam demasiados psicofármacos
A Direção-Geral da Saúde suspeita que os idosos estejam a tomar sedativos em excesso, principalmente em lares, aguardado apenas dados sobre os consumos destes medicamentos para proceder à criação um grupo de trabalho que estude o problema. As informações serão fornecidas pelo Infarmed (entidade que regula o setor dos medicamentos), à semelhança do aconteceu com as crianças, que, segundo o mais recente relatório sobre saúde mental, estarão a consumir mais medicamentos para tratar a hiperatividade e o défice de atenção do que o desejável.
“Relativamente às pessoas idosas, há muitos ecos de que há medicação em excesso em casa e, sobretudo, nos lares. Há a presunção de que é frequente serem medicadas com mais do que é indicado pelo médico para não incomodarem”, adianta Álvaro de Carvalho, diretor do programa nacional para a saúde mental da DGS. Também Wolfgang Gruner, médico e vice-presidente da Associação Portuguesa de Psicogerontologia, diz que “há a perceção de que pode haver excesso de medicação nos lares para os doentes estarem mais tranquilos e dormirem melhor.” No entanto, Álvaro de Carvalho destaca que esta é apenas uma “suspeita”, pelo que são necessários os dados do Infarmed para que o assunto possa ser estudado “com objetividade” e, com base nisso, serem feitas recomendações.
De acordo com o relatório Saúde Mental em Números 2015, publicado recentemente pela DGS, foi na faixa etária dos 65 aos 69 anos que se registou o maior consumo de ansiolíticos (mais de 30 milhões de doses diárias) em 2014, valores próximos daqueles que se observaram na população entre os 70 e os 79 anos. Quanto à utilização de antidepressivos, é também entre os 65 e 69 que há o maior consumo (quase 35 milhões de doses diárias).
Álvaro de Carvalho alerta que “é mais fácil encontrar medicamentos sedativos sem receita específica” para os idosos do que medicação [antipsicóticos] sem prescrição para as crianças. Por isso, no que diz respeito ao consumo deste tipo de medicamentos pela população idosa, há dois problemas que se colocam: “a prática pouco rigorosa de alguns médicos em relação à prescrição” e “a presunção de que há instituições vão além do que é prescrito.” Assim, tal como a toma de antipsicóticos por parte da população mais jovem, o consumo de psicofármacos é um dos “focos de preocupação” da DGS.
Há vários anos que alguns especialistas alertam para o facto de existirem lares que usam sedativos de forma abusiva. Ressalvando que não tem dados que permitam confirmar as suspeitas, Wolfgang Gruner, vice-presidente da Associação Portuguesa de Psicogerontologia, refere “há familiares de idosos institucionalizados que se queixam que os doentes estão sempre a dormir.” Se realmente o problema existe, prossegue, “devia ser dada formação aos cuidadores e até aos médicos para que sejam encontradas soluções que não passem pela sedação.”
Ao DN, Rui Nogueira, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, diz que há por parte dos médicos de família “a preocupação de não iniciar a medicação ansiolítica de ânimo leve e, simultaneamente, em desprescrever.” No entanto, o médico salienta que “não é fácil para um doente que usa benzodiazepinas [prescritas, por exemplo, para reduzir a ansiedade, induzir o sono] tirar o medicamento ou substituí-lo por outro.” Isto porque causam habituação e dependência.
Na opinião de Rui Nogueira, haverá atualmente “menos utilização abusiva” em Portugal, mas “com o aumento da população idosa, pode não existir uma diminuição em termos absolutos.” No caso particular das benzodiazepinas, o presidente da APMGF destaca que “a sua utilização abusiva e prolongada favorece a demência.”
Demência mais evidente nos lares
A percentagem de pessoas com demências graves é bastante mais elevada em pessoas que vivem em lares do que naquelas que vivem em comunidade. Segundo um estudo feito na Administração Regional de Saúde do Norte e citado pelo relatório da DGS, a prevalência duplica nos idosos institucionalizados. Álvaro de Carvalho diz que “não se sabe se são os mais graves que estão institucionalizados ou se é a institucionalização que agrava os défices cognitivos.”
Para Wolfgang Gruner, as duas explicações são válidas. “Quando uma pessoa começa a ficar com demência, a vida torna-se mais difícil. Se a família não tem ninguém que cuide do idoso, o lar pode ser a solução”, lembra o vice-presidente da APP.
Por outro lado, “se um idoso já com dificuldades cognitivas vai para uma sala cheia de idosos e passa o dia a ver televisão, é natural que a sua capacidade cognitiva se deteriore por falta de estímulos. Falar, discutir é muito importante. E isso é muito difícil na maioria dos lares.”
O DN tentou contactar a União das Misericórdias Portuguesas, mas não obteve resposta.
Joana Capucho