O presente e o futuro da ciência da longevidade e dos negócios que nos querem vender tempo de vida saudável numa conversa com o investigador português, professor da Universidade de Liverpool.
João Pedro de Magalhães, investigador português e professor da Universidade de Liverpool, no Reino Unido, estuda o processo de envelhecimento e as suas possíveis manipulações para prevenir doenças relacionadas com a idade. É consultor de várias organizações sem fins lucrativos e empresas de biotecnologia. Dá-nos aqui a sua perspectiva sobre o presente e o futuro da ciência da longevidade e dos negócios que nos querem vender tempo de vida saudável.
Está no nosso horizonte ter uma vida sempre jovem, apenas limitada por algum acontecimento violento?
Nós sabemos que existem espécies animais complexas, como tartarugas, certos peixes, salamandras, etc., que aparentam não envelhecer. Por isso o envelhecimento não é inevitável nem universal. Acredito, do ponto de vista teórico, que vá acontecer um dia, mas não acho que vá acontecer num futuro próximo. Aquilo que nós conseguimos fazer em modelos animais, como ratos e ratinhos, é manipular o processo de envelhecimento, ou seja, aumentar a longevidade e preservar a saúde em animais mais idosos. Mas não conseguimos, nem sequer estamos perto de conseguir, abolir o envelhecimento em animais.
Sabemos como aumentar significativamente a longevidade de vermes e ratos de laboratório. Até que ponto esses estudos poderão ser úteis para conseguir o mesmo aumento em seres humanos?
É verdade que tem havido um grande progresso no sentido de aumentar a longevidade e manipular o envelhecimento em modelos animais, incluindo em ratos e ratinhos. Em vermes, consegue-se mudar um só gene e aumentar a longevidade dez vezes. Em ratinhos, consegue-se aumentar a longevidade 50%. Creio que são avanços conceptuais que mudam a forma de ver o envelhecimento, como um processo plástico que pode ser manipulado. Nós conhecemos mais de 2000 genes em organismos-modelo que têm impacto na longevidade. E conhecemos mais de 400 medicamentos que aumentam a longevidade nesses organismos. Há um grande entusiasmo para aplicar esse conhecimento a seres humanos. Não só na academia como na indústria biotecnológica e farmacêutica.
É claro que existe uma barreira, existe um golfo entre aquilo que se consegue fazer em modelos animais e aquilo que se consegue fazer em humanos. Estão sempre a aparecer notícias de se conseguir curar o cancro em ratinhos. Nós já curámos o cancro em ratinhos umas dezenas de vezes, mas a grande maioria daquilo que se consegue fazer em ratinhos não é aplicável a seres humanos. Por isso, eu diria que a grande maioria destas intervenções que estão a ser testadas para manipular o envelhecimento em seres humanos, estatisticamente, vai falhar. Agora, o que é interessante é que bastava uma destas intervenções conseguir abrandar o envelhecimento e teríamos imensos benefícios a nível de saúde, económicos e mesmo a nível social. Porque abrandar o envelhecimento teria um impacto em todas as doenças que lhe estão associadas, o cancro, doenças neurodegenerativas, doenças cardiovasculares, etc.
De que forma é que o seu trabalho com animais que vivem muito tempo, como a baleia-da-gronelândia ou o rato-toupeira-nu nos pode ajudar a compreender a longevidade?
Há dois focos no estudo de animais que vivem mais tempo. O primeiro é do ponto de vista da compreensão do processo de envelhecimento. Nós, apesar de conseguirmos manipular o envelhecimento em animais, ainda não percebemos bem por que é que envelhecemos. Há quem diga que os danos no ADN e as mutações são importantes. E há outras teorias, mas não sabemos ao certo. Perceber a variação natural da longevidade pode dar-nos pistas para conseguirmos compreender melhor o processo do envelhecimento do ponto de vista mecanístico. E também do ponto de vista genético. Saber quais são os genes que permitem à baleia-da-gronelândia ou ao rato-toupeira-pelado viver tanto tempo pode dar-nos pistas a nível de mecanismos genéticos, moleculares, celulares. Mas pode potencialmente também ter aplicações humanas. Se conseguirmos compreender os mecanismos que outras espécies usam, podemos tentar descobrir medicamentos que tenham os mesmos benefícios ou que imitem as mutações que existem no rato-toupeira-pelado ou na baleia-da-gronelândia, para também nós termos os benefícios dessas mutações.
Até que ponto as nossas opções de estilo de vida podem ser determinantes? Em particular, até que ponto uma dieta de restrição calórica pode ajudar a prolongar a nossa vida?
Nós sabemos que a restrição calórica em modelos animais normalmente (não sempre) aumenta a longevidade, leva a uma melhor saúde em idades avançadas e menos doenças. Persistem algumas questões sobre a aplicabilidade em seres humanos. Existem estudos feitos em macacos Rhesus, que vivem 40 anos, e por isso demoram muito tempo, e os resultados até agora indicam alguns benefícios de saúde com a restrição calórica, por exemplo, a nível de prevenção do cancro, mas não necessariamente a nível de longevidade. Por isso existem algumas questões sobre se a restrição calórica funciona ou não em seres humanos.
E o stress?
É um ponto interessante. Existem alguns estudos que sugerem que a forma como as pessoas lidam com o stress é importante para a longevidade. Se formos a ver, há centenários que sobreviveram ao Holocausto e que combateram em guerras, passaram por situações de muita tensão nervosa. E mesmo assim vivem muito tempo. Por isso não acho que o stress seja impeditivo de se viver muito tempo, mas a forma como se lida com o stress terá um impacto. E outras questões como fazer exercício: sabemos que fazer exercício regulamente está associado a uma maior longevidade e melhor saúde em idades avançadas. Por isso, o estilo de vida e os nossos comportamentos afectam quanto nós vivemos e a nossa saúde quando formos mais velhos. Mas também é importante referir que esse impacto é limitado. Ou seja, por muito que uma pessoa tenha um estilo de vida saudável, não quer dizer que viva para sempre. Acaba-se por envelhecer e não é um determinante de quanto se vai viver. Os americanos têm uns autocolantes traseiros nos carros com umas piadas e uma vez, acho que estava no Texas, vi um que dizia qualquer coisa como: “Eat healthy, don’t smoke, exercice, don’t drink alcohol, you still die” [tenha uma alimentação saudável, não fume, faça exercício, não beba, morre na mesma].
Retardamento ou reversão do envelhecimento? O que poderá ser mais prometedor?
Neste momento, aquilo que nós conseguimos fazer em modelos animais é retardar o envelhecimento. Por isso eu diria que no horizonte estão terapias, nomeadamente fármacos, que nos permitam retardar o envelhecimento, de modo a aumentar a longevidade e a saúde. Reverter o envelhecimento teria um impacto muito maior, obviamente: a nível de saúde seria enorme, comparado com retardar o envelhecimento. Mas neste momento ainda não é claro que isso sequer se consiga fazer em modelos animais, em roedores, por isso é bastante difícil dizer quando é que será possível em humanos. Há quem argumente que se consegue reverter o envelhecimento em tecidos específicos ou em órgãos específicos, através de certas intervenções. Talvez, mas, para mim, o processo de envelhecimento engloba múltiplos sistemas em múltiplos órgãos. Reverter o envelhecimento tem de ser algo que reverta o envelhecimento como um todo, ou, pelo menos, a maioria das características do envelhecimento. Isso é possível do ponto de vista teórico e teria um impacto gigantesco, mas não acho que esteja no horizonte. Pelo contrário, o retardamento do envelhecimento creio que sim, já há empresas, já há ensaios clínicos e é claramente possível que venha a acontecer.
Há alguma intervenção antienvelhecimento actualmente disponível, farmacológica ou outra, que considere que vale mesmo a pena?
Nem por isso. Pessoalmente, não tomo nenhum fármaco nem faço restrição calórica. Apesar de conhecermos muito fármacos e dietas que em modelos animais retardam o envelhecimento, sabemos muito pouco acerca dessas intervenções em seres humanos, nomeadamente quais podem ser os efeitos secundários. Por exemplo, em relação à restrição calórica, não sabemos ao certo quais são os benefícios em pessoas, mas sabemos que pode ter efeitos secundários. Com base em estudos animais, reduz a capacidade para combater infecções, por exemplo. Por isso, para quem tem um estilo de vida saudável, não acho que haja nenhuma intervenção que valha a pena actualmente. Aquilo que eu faço e o que eu sugiro é aquilo que qualquer médico ou mãe sugerem: não fumar, não beber demasiado álcool, ter uma alimentação saudável, fazer exercício. Mas a nível de intervenções antienvelhecimento específicas, para além disso, não acho que haja nada que esteja provado ou que existam provas suficientes para valer a pena fazer. É diferente se se tiver alguma doença ou alguma predisposição genética. Por exemplo, há pessoas que têm predisposição genética para cancro. Eu, se tivesse uma predisposição genética para o cancro, provavelmente faria restrição calórica. Acho que existem provas em macacos, mesmo estudos epidemiológicos em mulheres anorécticas, de que a restrição calórica tem um impacto a nível da diminuição do cancro. Acho que há condições clínicas nas quais certas intervenções valeriam a pena e eu fá-las-ia nessas situações. Mas, para pessoas saudáveis, não acho que valha a pena. Mas isso também depende da pessoa, estamos na altura da medicina personalizada. Convém ver que aquilo que funciona, o que uma pessoa acha que vale a pena, não é necessariamente aquilo que o vizinho acha que vale a pena. Há muita variação entre pessoas, não há um “one size fits all”.
Aquilo que eu faço e o que eu sugiro é aquilo que qualquer médico ou mãe sugerem: não fumar, não beber demasiado álcool, ter uma alimentação saudável, fazer exercício
Quer acrescentar alguma coisa acerca deste assunto?
Só clarificar que, quando falamos em aumentar a longevidade e em retardar o envelhecimento, falamos em retardar várias doenças, não estamos simplesmente a aumentar a longevidade num período de decrepitude, mas a aumentar a longevidade com boa saúde. E é isso que nós vemos, por exemplo, nos centenários. O tempo e os custos de hospitalização dos centenários nos últimos dois anos de vida são bastante menores do que pessoas que morrem com 70 ou 80 anos. Nas intervenções antienvelhecimento, estamos falar de uma pessoa com 70 anos passar a ter a saúde de uma pessoa com 50. Não é simplesmente aumentar a longevidade de uma pessoa moribunda.
João Pedro de Magalhães
Ler mais em publico.pt de 19-11-2017