Mães portuguesas que interrompem carreira têm as pensões mais baixas da OCDE

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Relatório alerta que as mulheres que ficam em casa para tratar dos filhos, interrompendo a vida activa por dez anos, terão uma perda de 21% na sua pensão, quase o dobro da média da OCDE.

As mulheres portuguesas que interrompem temporariamente a sua carreira para ficarem em casa a tratar dos filhos são as mais penalizadas, entre as mulheres dos 34 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), quando chega a hora de se reformarem. Os dados constam do relatório Pensions at a Glance de 2015, divulgado nesta terça-feira pela organização com sede em Paris, e apontam para uma perda de 21% em relação às pensões das mulheres que continuam a trabalhar, mesmo tendo crianças a cargo.

A OCDE traça dois cenários. Um em que compara a pensão atribuída a uma mulher com dois filhos, a receber um salário médio e que esteve fora do mercado de trabalho durante cinco anos com a pensão paga a uma mulher nas mesmas condições, mas que optou por continuar a trabalhar, e outro em que alarga o período de interrupção da vida laboral para dez anos.

No primeiro caso, as portuguesas que decidiram ficar em casa por cinco anos terão direito a uma pensão 10% inferior à que será paga a quem se manteve a trabalhar. Portugal ocupa o sexto lugar entre os países onde a diferença é mais significativa, depois da Alemanha, do México, da Islândia, de Israel e de Itália, ficando acima da média de 4,5% na OCDE. No segundo caso, o diferencial agrava-se e coloca Portugal no topo da tabela. A diferença entre o valor da pensão da mulher que esteve dez anos fora do mercado de trabalho e o da que se manteve activa é de 21%, quase o dobro da média de 11% para o conjunto da organização, e uma percentagem muito semelhante à do México, da Alemanha ou da Itália.

A OCDE conclui que a interrupção dos descontos para a Segurança Social “retira uma parte substancial aos rendimentos das pensões”, especialmente se o período se prolonga no tempo. E justifica que isso acontece porque em países como Portugal, Islândia, México e Israel as licenças para tratar das crianças não são consideradas para efeitos de reforma (aquilo a que a OCDE chama de créditos de pensão ou remunerações por equivalência à entrada de contribuições), ao contrário do que sucede em outros países.

No caso português, estes créditos de pensão apenas se aplicam às mulheres que trabalham a meio tempo, tendo justificado essa redução do tempo de trabalho com a necessidade de darem assistência aos filhos. Nesse caso, a Segurança Social considera que os descontos efectuados valem como se a trabalhadora tivesse um horário completo. Também quem está a receber subsídio de desemprego é considerado como se estivesse a descontar para efeitos de reforma durante o período em que recebe o apoio.

Alertas para o futuro

Olhando para os 34 países que representa, a OCDE alerta que a maioria dos trabalhadores que estão agora a entrar na reforma tiveram “quase sempre empregos estáveis”, mas “o trabalho para a vida” é um bem cada vez mais escasso. Actualmente, nota a organização, os trabalhadores estão confrontados com “uma crescente insegurança no emprego”, as mulheres continuam a ter de conciliar a vida profissional e laboral, e os jovens adiam (ou vêem adiada) a sua entrada no mercado de trabalho. A estes problemas soma-se o desemprego que se mantém em níveis elevados em alguns países.

A consequência, diz a OCDE, é que os trabalhadores têm carreiras mais curtas e mais fragmentadas e isso terá reflexos no valor das suas pensões. As estimativas revelam que, por cada ano fora do mercado de trabalho, as pessoas têm uma penalização de 2% a 2,5% na pensão. Mas há mecanismos que amortecem este efeito, reduzindo-o para 1%, nomeadamente as pensões baseadas em carreiras contributivas mais curtas, a utilização das melhores remunerações como salário de referência para o cálculo da pensão ou possibilidade de os períodos de desemprego ou de licença serem contabilizados para efeitos de reforma.

No caso do desemprego, os efeitos nas pensões são muito semelhantes aos provocados pelas licenças para assistência à família. Já o adiamento da entrada no mercado de trabalho em cinco anos, provocará, segundo os cálculos da OCDE, uma redução de 6,4% no valor da pensão.

Os impactos mais significativos ocorrem no Chile, no México e na Suécia e os mais reduzidos no Luxemburgo e em França. Em Portugal, a entrada na vida activa aos 25 anos em vez de ser aos 20 não se reflecte no valor das pensões, os jovens têm é de permanecer no mercado até reunirem as condições necessárias para terem acesso à pensão completa.

60% recebe pensões mínimas

O relatório faz ainda uma análise aos vários sistemas de pensões e conclui que Portugal é o país onde mais pessoas recebem a pensão mínima (porque não cumprem os critérios necessários para receberem uma pensão de reforma normal). Quase 60% da população com mais de 65 anos está nessa situação, a percentagem mais elevada dos 13 países da OCDE que têm este tipo de pensões.

A situação dos idosos portugueses compara com os 47% da Finlândia, 37% de França ou os cerca de 30% de Itália, Luxemburgo ou Espanha a receber pensões mínimas.

A organização liderada por Angel Gurría, alerta ainda que em Portugal os gastos com pensões mais do que duplicaram nas últimas duas décadas (de 6,2% do PIB para 13%) e espera-se que continuem a aumentar até atingirem 14,6% do PIB em 2020. As projecções mostram que esta percentagem deverá continuar a subir e atingir os 15% do PIB em 2030, permanecendo acima dos 13% até 2060, com o país a gastar mais do que a média dos países da organização.

A OCDE elogia as reformas dos sistemas de pensões realizadas na última década nos vários países, mas recomenda que as próximas alterações devem focar-se na “sustentabilidade social” e no risco de pobreza da população com mais de 65 anos. Os desafios financeiros dos sistemas de pensões são, diz a organização, apenas “uma parte da equação”, a outra parte “deve preocupar-se em garantir se no futuro [eles] serão suficientes para dar qualidade de vida adequada à população com mais de 65 anos”.

Raquel Martins
Público 01.12.2015