“O comércio e o crescimento económico associam-se com o mal e a infelicidade”. Platão
Com a devida vénia, transcrevo da Lusa (24/5/2015) excertos de uma notícia que está a ser amplamente difundida nos noticiários televisivos da noite em que escrevo este texto. Rezam esses nacos de prosa:
“A ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, afirmou no sábado à noite que é honesto dizer aos portugueses que vai ser preciso fazer alguma coisa sobre as pensões para garantir a sustentabilidade da Segurança Social’. Falando em Ovar, num evento organizado pela JSD local, Maria Luís Albuquerque admitiu a possibilidade de reduzir as pensões actuais, se isso significar uma melhor redistribuição social do esforço contributivo.
“Se isso for uma distribuição mais equilibrada e razoável do esforço que tem de ser distribuído entre todos — actuais pensionistas, futuros pensionistas, jovens a chegar ao mercado de trabalho —, se essa for a solução que garante um melhor equilíbrio, é aí que nos devemos focar, disse”.
Sem suporte académico que suporte a minha incursão no complexo e esotérico mundo dos cifrões — embora esse conhecimento não fosse, porventura, garantia suficiente tendo em vista o que se passa, por exemplo, com o débâcle de alguns bancos portugueses sobre a supervisão de reputados académicos da ciência económica — começaria por alvitrar que se deixasse de recorrer aos fundos da Segurança Social para tapar buracos de outras rubricas deficitárias do Orçamento do Estado. Cada um pague pelas asneiras de que é responsável.
Quanto aos cortes nos actuais pensionistas, ou daqueles em vésperas de se reformarem, que depositaram nos cofres do Estado os devidos descontos, carecem eles de justiça por falta de respeito por direitos adquiridos em leitura arrevesada que deles se fazem em função de interesses ocultos. Para utilizar uma linguagem do meio desportivo, tão ao gosto na boca dos políticos, as regras do jogo não devem mudar a meio do jogo. E muito menos se devem alterar os resultados do jogo com manobras de secretaria de equilíbrio orçamental.
Num tempo em que o Estado privatiza tudo que dá prejuízo (ou julga dar!), penso que o “negócio” das reformas não será tão deficitário que não interesse à banca dele se apropriar no todo ou em complemento de aposentações ainda a tempo de serem acauteladas num futuro que se apresenta mais negro que as asas do melro dos versos de Guerra Junqueiro.
Entretanto, os detentores da governação do país têm vendido grande parte do seu património imobiliário, acumulado ao longo dos anos, enquanto, em contrapartida, promovem e inauguram construções faraónicas em período pré-eleitoral (a carapuça tanto serve ao PSD como ao PS). E assim se cumpre o aforismo: “Vão-se os anéis, mas fiquem os dedos!”
E quando não houver mais anéis? Sobram dedos gangrenados pelos cortes das actuais pensões e pelo avanço da corrupção com os seus nefastos efeitos na economia nacional denunciados por Vasco Pulido Valente: “Talvez convenha perceber duas coisas sobre corrupção. Primeira, onde há poder há corrupção. E onde há pobreza há mais corrupção. Destes dois truísmos resulta necessariamente que quanto maior é o poder ou a pobreza maior é a corrupção”.
Ou seja, em verdadeiro atentado a uma justiça social, aumentar a pobreza com cortes das pensões da classe média (em vias de desaparecimento) é uma perigosa forma de aumentar as chorudas e duvidosas contas bancárias dos ricos e diminuir o pão de cada dia dos que o ganharam com o suor do rosto. Não haverá por aí uma alma caridosa social-democrata que explique isto à ministra Maria Luís Albuquerque?
Rui J. Baptista
Ex-docente do ensino secundário e universitário e co-autor do blogue De Rerum Natura