Ao longo dos anos, os estudiosos da democracia têm demonstrado que a participação política tende a melhorar a qualidade do regime democrático. Ainda no século XVII, John Locke exaltou o carácter disciplinador da soberania popular. Os governantes sabem que em democracia têm de governar o melhor possível e de forma honesta, sob pena de serem destituídos pelo povo soberano. Seguindo esta lógica, a qualidade da democracia é indissociável do interesse e da participação dos cidadãos.
Com o intuito de facilitar a avaliação dos regimes democráticos, foram surgindo, nas últimas décadas, uma série de índices que medem a qualidade da democracia em diversos países, recorrendo a uma miríade de indicadores. Recentemente foi criado um novo índice, intitulado Variedades da Democracia, que se propõe a medir a democracia em mais territórios e de forma mais abrangente do que os seus antecessores, como o Freedom in the World da Freedom House e o Democracy Index, pulicado pela The Economist Intelligence Unit. A Fundação Francisco Manuel dos Santos tem financiado o Centro Regional para a Europa do Sul, coordenado por Tiago Fernandes, professor do Departamento de Estudos Políticos da Universidade Nova de Lisboa, com o intuito de investigar as causas e consequências da democratização no Sul da Europa.
Recorrendo à página do projecto Variedades da Democracia, podemos encontrar inúmeros indicadores originais sobre eleições, democracia directa, sistema partidário, entre muitos outros, que nos permitem avaliar e comparar as democracias daquela região do globo. Aqui ficam seis dados relevantes sobre a democracia portuguesa:
1 – Portugal é o segundo país da Europa do Sul onde as organizações devidamente habilitadas da sociedade civil são consultadas de forma mais assídua pelos decisores políticos durante a feitura de novas leis, sendo apenas suplantado pela França.
2 – Portugal é o segundo país da Europa do Sul com a percentagem mais elevada de mulheres deputadas ao parlamento nacional. Em Espanha, na última legislatura, 40% dos representantes ao Congresso dos Deputados, a câmara baixa das Cortes Gerais, eram mulheres, enquanto em Portugal as mulheres perfaziam pouco mais de 30% dos deputados à Assembleia da República. O aumento do número de deputadas em Portugal depois de 2006 é explicado pela aprovação, nesse ano, da lei da paridade, que passou a exigir a representação mínima de 1/3 de cada um dos sexos nas listas para a Assembleia da República, Parlamento Europeu e autarquias locais.
3- O gráfico seguinte mostra que a independência do Tribunal Constitucional face ao governo tem aumentado gradualmente e de forma significativa desde a sua criação, na sequência da extinção do Conselho da Revolução, aquando da revisão constitucional de 1982.
4 – O rigor e a imparcialidade da administração pública são elevados em Portugal, mas decresceram consideravelmente nos últimos anos.
5 – Segundo os autores do Variedades da Democracia, o índice de corrupção política em Portugal é baixo, apesar de ter aumentado ligeiramente nos últimos anos, sendo ainda assim muitíssimo mais baixo do que noutros países da Europa do Sul, como a Grécia e a Itália.
6 – Portugal é o segundo país da Europa do Sul onde a participação política é menor. Apenas a Grécia apresenta valores consistentemente mais baixos do que os nossos. A literatura científica demonstra que nas democracias recentes, como a portuguesa, a espanhola e a grega, a ligação entre cidadãos e instituições é tendencialmente mais débil do que nas democracias consolidadas. Depois do entusiamo inicial com o regime democrático, patente na elevadíssima participação eleitoral dos primeiros sufrágios, a participação política tem diminuído progressivamente no nosso país.
Depois de analisados estes indicadores, é importante realçar que Portugal é o segundo país da Europa do Sul a ostentar o nível mais elevado de satisfação com a democracia, sendo apenas ofuscado por Malta, de acordo com os últimos resultados do Eurobarómetro. Para além disso, a avaliação que os portugueses fazem da sua democracia tem evoluindo favoravelmente, de forma ininterrupta, desde o Outono de 2013. Ainda assim, estamos ainda longe do entusiasmo que outros povos europeus, nomeadamente os nórdicos, demonstram pela democracia que têm.
João Tiago Gaspar
Fundação Francisco Manuel dos Santos
Visão 10.09.2016