Seja qual for o resultado do referendo britânico que hoje se realiza, ele representará, em graus diversos, a vitória do medo sobre a esperança. As duas campanhas preferiram o medo aos argumentos racionais. Um medo disfarçado de rigor numérico. Perdas e danos disparados sobre os eleitores como artilharia emocional. A atmosfera irracional foi tão tóxica que degenerou no assassínio político. A jovem deputada trabalhista Jo Cox, ficará para a História como a primeira mártir da desagregação europeia em curso. A mentira desbragada e a verdade incompleta, foram as companheiras de estrada do medo. A campanha pelo brexit caracterizou-se pela primeira escolha. A sua contabilidade fraudulenta e delirante visou ocultar os enormes custos e dificuldades que uma saída do Reino Unido iria acarretar para os britânicos, mesmo e apenas no estrito plano económico. A campanha pela permanência seguiu a via da meia verdade. Evitou referir as muitas faces da incerteza e da desconfiança que grassam numa união, em que os problemas se acumulam numa agonia lenta, sem resposta: refugiados, crise bancária, deflação, dívida pública e privada, desigualdade crescente, falta de legitimidade política de órgãos como o Conselho ou a Comissão, em que a lógica da ameaça substitui a da cooperação. Os defensores da saída prometem um regresso a uma grandeza perdida, que só a alucinação ideológica torna credível. Mas os defensores do sim têm evidentes dificuldades em apontar a atual balbúrdia europeia, onde desde há seis anos se desistiu da esperança num futuro justo e partilhado, como uma grande casa comum que inspire o sonho e mobilize a ação. Se o sair ganhar, seremos desde logo atingidos pela tempestade. Se o ficar vencer, nada indica, infelizmente, que não continuaremos a caminhar na sua direção.
Viriato Seromenho-Marques
Opinião DN 23.06.2016