Quando a fábrica fechou, Tino avisou, perante os 200 companheiros, que nunca cruzaria os braços. Acabou por cruzá-los três anos depois. Dentro de um caixão. Tino era um primo afastado. Só me lembro dele com um cravo branco na lapela quando se casou. Quis a vida que me cruzasse com a mãe dele. Curvada pelos muitos anos e pela dor. Contou-me que Tino morrera. “Lembras-te dele?”. Disse que sim, mas só me vinha à cabeça aquele cravo branco. “Ele andava muito triste. Ficou no desemprego, teve subsídio até acabar, fazia biscates. A mulher pô-lo na rua. Caiu-me à porta. Disse-me: “minha mãe, ao que cheguei. Pedir-lhe cama e pão com esta idade”. Sosseguei-o. Mas ele começou a cismar… Encontrei-o morto na cama. Foi o coração…”. Tino foi motivo de falatório depois de morto. Em vida, ninguém se preocupara porque andava sempre triste. Decidiu, dias antes de morrer, que queria ser enterrado de pijama e descalço. Era a “farda” que lhe restava. “Nunca se perdoou por não ter trabalho”. A funerária desaconselhou que se fizesse a vontade. A mãe insistiu. O padre acabou por intervir: fechava-se o caixão. Correram boatos de suicídio e nem o sorriso no retrato colocado no caixão os calou. Não sei de que morreu o Tino. Sei que ninguém merece morrer descalço.
Margarida Fonseca