Numa tarde de sábado, com intermitências de chuva, no belo parque do Convento de Sto António, no Fundão, num acto colectivo de cidadania de parte inteira, aquela franja geracional que agora é catalogada como idosa, e depois nos segmentos de reformados e pensionistas, sentou-se à mesa fraterna da APRe!, uma mesa que, como diria o poeta, é boa para o pensamento, para a poesia, a música e a indignação cívica, que é aquilo que mais se deve praticar em Portugal.Foi um convívio fraterno, povoado com a música tradicional do coro da Academia Sénior do Fundão, dirigido pelo incansável Bé Freire, a poesia do grupo de Castelo Branco Branco, com as palavras necessárias do Manuel Costa Alves, a Silvina e o Zé Ribeiro – verdadeiros militantes da cultura -, a capacidade do Fernando Correia Maurício não só para organizar o evento, mas, sobretudo, para explicá-lo na sua abrangência social, e, claro, a presença do rosto desta associação cívica, que é Maria do Rosário Gama.Este nome tornou-se, em Portugal, uma bandeira do inconformismo, um estímulo ao direito à fala e ao protesto, uma afirmação a favor da justiça – e contra o roubo organizado, que é essa (não devemos ter medo de dizê-lo) a verdadeira acção organizada deste governo. O que isto significa no país da apatia, no território do “deixa-andar”, na nação do esquecimento e do silêncio, na pátria da impunidade mais abjecta, é um momento da consciência pública a agitar as águas paradas de um reino podre e sem emenda.Olho para esta professora, das mais prestigiadas da sociedade portuguesa, para o seu ar sereno, para o rigor das suas palavras, e vejo-a na tarefa de desassossegar as consciências moles e ausentes, de voltar a convocar esta enorme faixa social que tem visto os seus bolsos assaltados à mão governamental e a repetir, sempre: “Não fiquemos calados!”No fundo é o que ela está a fazer agora, na sua fala cordata mas firme, porque sabe do que fala, andou, como todos os que ali estão reunidos, uma vida inteira a trabalhar e a descontar para depois, numa ignomínia total, os contratos serem rasgados, os direitos espezinhados, os quotidianos destruídos e infernizados, como se o Estado, além de não ser pessoa de bem, se tornar fora da lei. Costa Alves lera, antes, o poema de Mário-Henrique Leiria, que conta a história de uma nêspera muito bonita, muito quietinha, que estava na árvore a dormir – veio uma velha e comeu-a! Comentário de Maria do Rosário: “Não fiquemos quietinhos, não nos deixemos comer!””Não fiquemos calados, juntemos as nossas vozes!”, é outra vez o aviso à navegação de Maria do Rosário, no fundo dando substância mais concreta aos poemas de Torga, Mário-Henrique Leiria, Ana Hatherly, Manuel da Fonseca e Álvaro de Campos. A indignação, como a esperança, também pode reproduzir-se. Numa situação caótica e mentirosa, muito idêntica à que hoje vivemos, lembremo-nos das palavras de Junqueiro: “O pior é a ira dos mansos!”
Não Fiquemos Calados
Fernando Paulouro Neves
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