“Não quero aliar-me à direita para estar contra o PS” na descida da TSU

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Em entrevista, Maria do Rosário Gama, presidente da APRe!, reconhece estar a ser uma voz incómoda no PS por causa das críticas à proposta de redução da Taxa Social Única. “Eles andam doidos comigo”, desabafa.

Maria do Rosário Gama admite que tem sido pressionada no PS devido às suas críticas acesas à proposta socialista de corte da TSU. Promete não vacilar no voto contra se António Costa insistir nessa ideia. E propôs ao líder socialista que o PS faça um estudo que avalie o impacto na receita da Segurança Social que seria obtido pelo aumento do salário mínimo no valor correspondente ao corte de 1% na TSU e da devolução das sobretaxas de IRS e dos salários e pensões.

Foi uma voz crítica das propostas do PS de redução da TSU. Notou algum recuo entre o que foi apresentado na semana passada e o discurso mais cauteloso de António Costa no domingo, dizendo que ainda é para ser pensado, e que será gradual?
Algum. Não muito, não aquilo que nós queremos, mas algum. O primeiro foi em relação à TSU das empresas, que será aplicada se aquelas fontes diversificadas de financiamento o permitirem – vão primeiro ver o resultado. E em relação à proposta dos trabalhadores, logo a seguir ao dia da comissão nacional veio na comunicação social que António Costa poderia recuar também. Acho que é a única solução possível. Qualquer mexida na TSU corresponde a uma redução das receitas da Segurança Social (SS). Esta mexida na TSU do PS não tem o mesmo sentido nem o mesmo âmbito da alteração proposta pelo PSD. Uma mexida na TSU, seja ela qual for, cria muita insegurança e uma grande desmotivação nas pessoas. Sentindo-se inseguras, as pessoas acabam por não saber como exercer o seu voto e nós queremos que as pessoas votem, não queremos abstenção. Não queremos que ganhe outra vez uma coligação que ameaça com cortes de pensões logo à partida. Esta ameaça é real. Porque a coligação enviou para Bruxelas o Pacto de Estabilidade onde esta medida está inscrita. É uma hipocrisia virem agora os líderes do PSD e CDS demarcarem-se dessa medida…

O recuo deveu-se às suas críticas e à ameaça do voto contra?
Eu não tenho esse poder.

Mas representa são 2,5 milhões de pensionistas…
Eu não tenho esse poder. Tenho conseguido dizer o que penso e tenho feito uma crítica severa à questão da TSU. Eles andam doidos comigo.

No PS? Têm-na pressionado?
A mim? Eu não tenho importância nenhuma… Não houve nada do que me tenham dito que alterasse a minha postura. O secretário-geral sabe que na convenção nacional eu vou dar a minha opinião e vou votar contra por causa da questão da TSU. Na quarta-feira convocou uma reunião de reformados do PS para explicar os argumentos do programa – onde não estive. Fala-se agora de mexer no IVA social. Mas continua a ser acompanhado de um corte da TSU e isso é a linha vermelha. Por muito bondosa que seja a explicação, mantém-se o corte na sustentabilidade da SS – e isso eu não admito. Mas não quero, com a minha guerra, que me comparem com a direita nas críticas ao PS. Não quero aliar-me à direita para estar contra o PS. Eu vou votar PS.

Qual é a alternativa para manter a SS sustentável?
Eu tenho uma proposta de substituição da TSU para apresentar ao líder do PS em meu nome pessoal [fê-lo depois desta entrevista e aguarda resposta de António Costa]. O retomar da economia não pode ser feito à custa da Segurança Social, mas sim por via fiscal e de aumento de salários. Devia ser feito um estudo em que se preveja o aumento do salário mínimo no valor correspondente ao corte de 1% da TSU, a devolução em 2016 da totalidade da sobretaxa de IRS para salários e pensões entre 600 e 1500 euros (em vez de ser aos poucos e contemplar já os salários e pensões mais baixos) e a devolução de 1,5% da sobretaxa para salários e pensões acima dos 1500 euros – e este valor poderia ser negociável, 1,2, por exemplo. E a seguir, nos outros anos, o restante. Num salário de 600 euros, que já tem sobretaxa, a TSU é 66 euros; se passar para 10%, são 60 euros, ganha por mês 6 euros e o que eu proponho é um aumento de 5 euros para os salários mínimos.

Afinal o PS reconhece, e está de acordo com a maioria, quando diz que há um problema de sustentabilidade da Segurança Social (SS)?
Toda a gente sabe que há um problema de sustentabilidade da SS. Ninguém põe isso em dúvida e nós também sabemos.

Realisticamente: as pensões não estão mesmo em risco?
Não é isso que eu quero dizer. O problema da sustentabilidade da SS tem solução com níveis diferentes, nomeadamente com crescimento económico, com a promoção do emprego e com o aumento do PIB. Disso não tenho dúvidas. E é evidente que poderá ter que haver alguma reforma no sistema de pensões. Mas qualquer reforma tem que obedecer a alguns requisitos.

Quais?
Primeiro: aumentos graduais – não se pode passar de um coeficiente de sustentabilidade de 5 para no ano a seguir ser 12 e agora 13. Segundo: permitir que as pessoas quando se reformarem tenham uma vida equilibrada com aquilo que foi a sua vida no activo. Ou seja, não pode haver uma quebra tão grande como está a acontecer entre aquilo que a pessoa ganhava e o que passará a ganhar. Terceiro: deve manter-se o sistema de SS público. Quarto: se é impossível que as contribuições sejam suficientes para pagar as pensões do regime contributivo, há que procurar diversificar as fontes de receita. Foi o que o PS esteve a fazer.

Que fontes de receita?
O PS propõe uma diversificação das fontes, que tem a ver com a taxação de heranças acima de um milhão de euros. E podia-se taxar o valor acrescentado das empresas, o chamado IVA social. A quantidade de imigrantes que entram no nosso país pode ser um factor importante para a sustentabilidade: sendo pagos salários, são feitos os descontos aqui.

A contribuição para a SS devia ser em função dos lucros e não em função dos trabalhadores?
Exacto. Empresas grandes que têm poucos trabalhadores, porque foram substituídos por tecnologia, pagam muito menos para a SS do que uma empresa têxtil com um rendimento muito menor e com muitos mais trabalhadores. O desconto deveria ser em função dos lucros das empresas.

Concorda com o princípio da taxação de heranças?
Depende de quanto for a taxa e como for aplicada. Para as grandes fortunas penso que pode ser uma contribuição. Mas não dará grande ajuda porque não há grandes fortunas – já estão fora do país. Eu dou os parabéns ao PS por tentar diversificar as fontes de receita. Essa diversificação deveria ser para aumentar os bens da SS e não para dar cobertura ao corte da TSU. Quando falamos da diversificação da receita é para contrariar a teoria de que a SS é insustentável. É provável que seja insustentável precisamente devido ao desemprego, ao trabalho precário, à imigração de jovens, a salários baixos.

Concorda com o aumento da idade da reforma consoante a esperança média de vida?
Não, eu acho que já chega. Se as pessoas se reformarem mais cedo, em idade de poderem aproveitar alguma coisa da sua vida e deixar lugar aos mais novos, é vantajoso. Não se deve prolongar indefinidamente a idade da reforma, as pessoas não podem estar a trabalhar até morrer. Esta é a minha opinião pessoal, não a da APRe!

O que pensa da indexação do aumento das pensões ao crescimento económico?
Isso é complicado. Em países cuja economia tem a variação como teve o nosso, isso ia dar uma instabilidade muito grande. As pessoas já estão desesperadas, na associação temos muitos casos de reformados que ajudam a sustentar a casa de filhos e netos desempregados.

Há dois anos um deputado do PSD falou na “peste grisalha”. Essa ideia negativa começa a estar enraizada na opinião pública?
E foi muito atacado por nós… Essa ideia passa e tem sido promovida até pelo Governo. Viu-se agora neste encontro da JSD. Porque é que a ministra das Finanças fala em corte de reformas à frente de jovens e não dos idosos? Há alguma intenção nisto. Na APRe! temos economistas, gente que trabalhou na SS, ex-directores da SS, estamos dentro do assunto e reflectimos. Os velhos de agora – ou os seniores, com se quiser chamar – não são só os que as TV passam, os dos bancos do jardim. Há esses, mas há também os outros que pensam, estudam, reflectem. Temos muitos ex-professores universitários. E temos muito para dar mas não querem nada nosso.

O que têm para dar? E como?
Tanta coisa: o nosso conhecimento acumulado. Podemos participar em reuniões de jovens, dar a nossa experiência, organizar debates com debates. Fala-se muito do envelhecimento activo, da actividade física, passeios, convívios, universidades seniores. Tão ou mais importante que o entretenimento é a participação cidadã. E podia ser feito a nível autárquico: propusemos a algumas autarquias a criação da comissão de protecção aos seniores em risco e que fizessem estudo dos apoios que existem para cidadãos seniores e do modo como eles são ou não acompanhados. A outra participação é a nível dos fóruns de cidadania sénior, que já existem em algumas câmaras, como Santa Maria da Feira ou Oliveira de Azeméis, onde dão opinião sobre a definição de políticas seniores.

O plafonamento é uma ideia muito falada à direita. Não faria sentido para os trabalhadores, em vez de reduzir a TSU, haver uma alternativa e as pessoas poderem escolher entre fazerem essa redução ou o seu próprio plano?
Quem faz essa redução, quem ficar com esse dinheiro – se tiver um salário de 2000 euros, fica com 20 euros e se quiser ter uma pensão melhor, tem que fazer um investimento em seguros ou um fundo de capitalização pública. Sou totalmente a favor da SS pública, pelo que tudo o que tenha a ver com plafonamento de pensões tem também a ver com plafonamento de contribuições e isso vai desfalcar a SS. Portanto era uma medida muito complicada. É isso que a Europa quer, mas nós não queremos.

A ministra das Finanças admitiu cortes nas pensões em pagamento e nas futuras mas atirou a decisão para depois das legislativas. O Governo está a esconder-se?
Está-se a esconder, sim. Mas ela agora já não pode voltar atrás, porque foi muito clara quando disse que ia haver cortes. Isto foi um convite que ela fez aos reformados para não votarem na coligação. Espero que não votem mesmo.

E acha que vão votar no PS?
Não sei. Se o PS conseguir fazer algum recuo nesta medida que causa transtorno aos reformados, não vejo porque não votar no PS.. Mas eu acho que mesmo assim é melhor no PS do que na direita PSD/CDS.

Como é que a APRe! se vai posicionar na campanha eleitoral se o PS não voltar atrás sobre a TSU?
Nós não defendemos o voto em ninguém. O que vamos fazer é mandar para todos os associados, como fizemos nas autárquicas, os programas dos partidos no que se refere à Segurança Social e as pessoas depois escolhem.

Não vão apelar ao voto apesar da sua condição de dirigente socialista?
Eu sou uma entre muitos. Na direcção da APRe! somos nove e há lá pessoas desde o Bloco até ao PSD.

Devem ser interessantes as vossas reuniões… É fácil gerir essa multiplicidade de tendências?
São mesmo… (risos) Não é muito fácil gerir porque se propomos algo mais à esquerda… Por exemplo: no 1º de Maio há pessoas que querem ir à manifestação da UGT, outras da CGTP. Quem quer vai para uma ou outra [sem camisolas ou publicidade à APRe!]. No 25 de Abril é que fazemos em unidade, vamos todos. Nos nossos debates convidamos sempre pessoas das diferentes áreas ideológicas. Já tivemos debates com Bagão Félix e José Ribeiro e Castro (CDS), Pacheco Pereira, António Capucho (PSD), Santos Silva, Vieira da Silva (PS), Francisco Louçã (BE), Raquel Varela. Nas europeias tivemos todos os candidatos.

Qual é o segredo para reunir essas pessoas?
Aquilo que nos une é mais forte do que o que nos separa, como diz a canção do Rui Veloso

E o que é que une tanta gente diferente?
A defesa dos direitos dos aposentados.

Há pelo menos quatro movimentos com expressão – APRe!, MURPI, Inter-Reformados, Movimento dos Reformados Indignados – e há outro, o Partido Unido dos Reformados e Pensionistas (PURP) que abriu o processo no Tribunal Constitucional para se formalizar. Não está no horizonte da APRe! tornar-se um partido?
Deus nos Livre! Isso é que era impossível de gerir, não tinha base ideológica nenhuma. Há pessoas na APRe! que pensam de maneira muito diferente. Era impossível formarmos um partido. Agora… já não é impossível as pessoas estarem juntas a defender os seus direitos. Pode é ser por vias diferentes: haveria quem gostasse que estivéssemos sempre a fazer manifestações, há quem goste que façamos mais pressão política juntos dos partidos – quando pedimos audiências, fazemo-lo a todos. Sobre os outros movimentos e partido vamos demarcar-nos. Há ano e meio pedi a vários movimentos que se juntassem a nós para fazermos uma contestação conjunta, entre eles o MURPI, a Inter-Reformados, a CidSénior, os reformados da ASMIR e a associação de deficientes das Forças Armadas. Nem o MURPI nem a Inter-Reformados estiveram connosco. Eu gostava muito que nos pudéssemos juntar e já manifestámos abertura para isso quando eles promovem manifestações. Já nos juntámos uma vez, no Rossio. Mas não tem havido essa abertura.

Consegue perceber-se porquê? Por motivos políticos?
Não sei dizer. Ou melhor, consigo mas não lhe quero dizer. Nós não somos competidores com essas associações. As pessoas que estão na APRe! não se integrariam, por exemplo, numa associação ligada à CGTP e ao PCP. As nossas posições de defesa dos reformados têm sido exactamente as mesmas, daí que seria normal juntarmo-nos. Estamos abertos a isso, agora precisávamos que eles também estivessem. Já tivemos encontros com a CGTP em que dissemos estar disponíveis para acções conjuntas. Ora eles dinamizam e promovem, mas nunca vão àquilo que nós promovemos.

Rejeita qualquer participação política formal, nem mesmo nos movimentos de cidadãos nas autarquias?
Sim, porque isso seria a causa da divisão das pessoas. Não vão largar os partidos onde votam normalmente para ir votar num partido de reformados. E um partido de reformados não tem sentido nenhum. A Assembleia tem muito mais para discutir do que questões ligadas aos reformados. Agora, um partido de reformados que mete pessoas de todas as tendências, como é que vai ter uma base para na AR estar a defender posições uniformes? Vai ter que tomar posições em assuntos em que não tem mandato para isso porque não há essa base ideológica.

Há pouco deu a entender que o Governo fomenta o conflito de gerações…
Fomenta o conflito de gerações, entre trabalhadores no activo e reformados, entre Segurança Social e Caixa Geral de Aposentações. Quando vem dizer que as pensões da CGA são mais elevadas, isto tem que ser desmascarado: são mais elevadas porque as pessoas tinham salários mais altos. É na CGA que estão todos os professores, todos os médicos, todos os juristas, todos os militares. E na SS o número de pessoas licenciadas é muito mais baixo. Portanto, é desonesto estar a dizer isso: são mais altas porque de facto também descontaram mais.

Qual é o objectivo do Governo?
Pôr uns contra os outros. Quanto mais divisão houver, melhor, quanto mais isolarem os reformados, melhor. Até propus à direcção da APRe! fazermos umas t-shirts a dizer ‘Votar na coligação é corte certo na pensão’

Disse que não iriam ter intervenção política na campanha…
Ah, mas isto é por causa dos 600 milhões de euros. Não vamos ter intervenção partidária, mas vamos ter política.

Poderão juntar-se a alguma campanha ou farão campanha própria?
Não. Faremos campanha própria. O nosso slogan é ‘não somos descartáveis’. Este que estou a propor tem que ser primeiro aprovado pela direcção.

Vai ser complicado porque tem lá pessoas do PSD…
Não vai, não. Porque a malta do PSD que está connosco está muito revoltada. Temos uma militante cá de Lisboa que quando íamos às audiências dos partidos, no PSD ia com o cartão na mão a dizer ‘olhe sou a militante número 60 ou 80 do PSD e estou contra vós’. E há muitos assim.

Entrevista de Leonete Botelho e Maria Lopes
Público 30.05.2015