Aquilo de Paris dá que pensar, senão é pesadelo. Antecipam-se e falam mais alto as vozes dos poderosos deste Mundo, e todos gritamos horror! Há muitos mortos e sangue, sangue nosso. E há medo.
O medo é o mais barato recurso natural para submeter a cidadania. E é medo que anda por aí, à solta.
Nas economias, o medo assume o pseudónimo de mercados, esse papão sem rosto que submete as democracias. Mas este medo, que volta a acenar de Paris, veste a pele do monstro, dispara, faz-se explodir, mata, mata mesmo.
É em nome deste medo que se hão de aperrear mais armas e se hão de reunir os mesmos poderosos, para decidir levantar muros, estender arame farpado, fechar fronteiras… limitar a liberdade.
E é também em nome do medo que crescem as seitas, as organizações racistas, xenófobas.
Aconteceu outra vez em Paris, no que podemos considerar o 11 de setembro francês. E até podemos relativizar: há muitos anos que a Europa, muito antes até dos Estados Unidos, lida com afloramentos de terrorismo – dos ataques de Munique ao Baader Meinhof, na Alemanha, às Brigadas Vermelhas italianas, aos atentados de Atocha, em Madrid, e por aí fora…
Mas este é um tempo e também uma motivação diferentes. Os atentados cobardes de anteontem põem-nos, a todos, diante de uma escolha: a liberdade ou a barbárie. Quem ganha com o medo?
Aconteceu outra vez em Paris, no país da Europa mais empenhado na luta antiterrorista, no quadro internacional. Ao intervir na Síria, e também na Líbia e no Sahel, a França é um alvo privilegiado do Estado Islâmico. É guerra, e guerra é a disputa de poder e território, e ainda é isso, armas e morte.
Sim, a França é um país livre. Mas é também verdade que está, com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, entre os cinco estados do Mundo que mais produzem e mais ganham com a indústria da guerra, com a produção e venda de armamento que não serve para outra coisa senão fazer guerras.
Acautelemo-nos!, prevenia Nietzsche, o filósofo. “Cautela quando lutarmos com monstros, para que não nos tornemos um, da mesma forma que, se olharmos, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de nós”.
Monstros são coisa de ficção. Na vida real, a máscara dos monstros esconde sempre um rosto humano, muitas vezes com cara de passar na televisão.
Porque a vida nos ensina que do outro lado do medo só há liberdade, vêm-me à memória aquelas primeiras palavras de um novo papa que já tinha diante de si os três seguintes: “Não tenhais medo!”. E era também domingo.
Afonso Camões
Opinião JN 15.11.2015