Está em todos os cartapácios de introdução à Economia: não há almoços grátis. Ainda assim, e desde que interveio no BES, o Governo PSD/CDS não tem feito outra coisa do que tentar contrariar as teses académicas (e já agora o senso comum), fingindo que a injeção de 4900 milhões de euros de dinheiros públicos no Novo Banco é um almoço grátis. Também já se sabia que a mentira tem perna curta (apesar de este princípio não estar aparentemente inscrito nos cartapácios de Economia), mas ontem o INE tratou de o evidenciar, anunciando que o défice público de 2014 passou, graças à operação de resgate do “banco bom”, de 4,5% para 7,2% do PIB (ou seja, que o Governo gastou afinal mais 12,4 mil milhões de euros do que aquilo que recebeu, aumentando a dívida do país).
Dizia a ministra das Finanças, antecipando o que aí vinha, que a subida do défice teria um efeito “meramente estatístico”. Acontece que esse efeito “meramente estatístico”, como lhe chama Maria Luís Albuquerque, se traduz numa fatura de 490 euros para cada um dos 10 milhões de portugueses. Os tais a quem foi garantido que não seriam chamados, em caso algum, a pagar o desastre (e os crimes) do BES. Ontem mesmo, Passos Coelho repetiu o argumento: o aumento do défice “não tem nenhum efeito na vida das pessoas”. Mais, o dinheiro dos contribuintes empatado no BES vai dar lucro. “O dinheiro está a render”, disse o primeiro-ministro. Dito de outra forma, o almoço, além de grátis, dá direito a gorjeta para o comensal. Os economistas vão ter de mandar os cartapácios para o lixo e fazer novas edições.
Ou isso, ou o primeiro-ministro está (mais uma vez) enganado e porventura a enganar-nos. O que se passou nos últimos anos não ajuda à narrativa. Como alertou por estes dias o Banco Central Europeu (sendo um banco, nesta matéria é insuspeito), desde 2008 os contribuintes foram chamados a pagar 19500 milhões de euros para salvar bancos, o equivalente a 1950 euros por português. Pior ainda, a capacidade do Estado (e portanto de Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque, os governantes de turno) de recuperar essa montanha de dinheiro foi quase nula. O almoço, lá está, não foi nem será grátis.
Finalmente, o argumento do efeito “meramente estatístico” é insultuoso para milhões de portugueses chamados, durante estes quatro anos, a enormes sacrifícios – aumento brutal de impostos, cortes nos salários e nas pensões, para só falar de alguns dos mais pesados. Convém não esquecer que foram obrigados a empobrecer, a perder o emprego e a emigrar precisamente em nome do controlo do défice e portanto do controlo da dívida. Ou seja, em nome de ninharias “meramente estatísticas”.
Opinião JN 24.09.15