Estou a escrever com um fabuloso e alentejano nascer do Sol bem na minha frente. Das poucas certezas que tenho sobre este dia que está a começar é que algures, numa rede social, num jornal, numa rádio ou numa televisão, alguém vai encetar uma nova frente de indignação e de espanto nacional. E os partidos vão reagir, sim porque os partidos têm sempre de reagir. E as corporações e os sindicatos vão ser chamados a indignar-se, claro – para que serviriam se não fosse para dar uma mãozinha nessa nova onda de revolta nacional? Amanhã haverá outra. E vamos ouvir especialistas a dizer coisas, porque isto de um bom drama nacional tem sempre de ter a opinião de especialistas. E vamos ouvi-los sem nunca pararmos para saber se são realmente especialistas no assunto em questão, ou se calharam apenas atender o telefone quando outros estavam indisponíveis.
Outra garantia que temos é de que esse tema seja ele qual for e seja qual for o índice de inquietação nacional, há de estar morto até ao pôr do Sol ou, o mais tardar, até ao fim do dia seguinte. Já nada nos dura, já nada nos merece debate ou análise pausada, tranquila. Tudo tem de ser inflamação e indignação. Vejam só esta semana que passou: os gémeos que Ronaldo encomendou; Tchizé investigada; as rendas da EDP; os impostos de Ronaldo em Espanha; as nomeações de Lacerda e Frasquilho para a TAP; Lisboa, Porto, Braga, Coimbra e a localização de uma agência europeia que nunca virá para Portugal; os e-mails do Benfica; Ronaldo a querer sair de Espanha; juízes e funcionários a ameaçar boicote às autárquicas e o insulto xenófobo de um eurodeputado socialista a uma deputada do PS. Chega? Quase todos estes assuntos tiveram direito ao ciclo completo: notícia, reações, follow-up em caso disso, análise, comentário e opinião publicada.
O ciclo das notícias acelerou e eu estava lá para ver, na TSF. No início dos anos 1990, ainda sem televisão e canais de informação por cabo, era a telefonia a que ainda chamo “minha” que ditava o ritmo da notícia, do ciclo noticioso. Acelerou-o, sem dúvida, mas num tempo em que tudo estava quase parado, em que o país político acertava o relógio das suas preocupações pelo Telejornal da RTP. E que bom foi agitar o Portugal sentado, desassossegar políticos e outros protagonistas acostumados a marcar o ritmo dos dias. Pouco depois surgiram os canais de informação no cabo e os dias das notícias apressaram ainda mais um passo que se tornou insuportável com a chegada das redes sociais. Nada contra. Estou por lá e são até boas ferramentas de trabalho. Mas o certo é que vieram acentuar a tendência nacional para a indignação passageira e inconsequente.
Vivemos uma ditadura da gritaria e da indignação. Um tempo em que alguém – jornalista, comentador, político ou anónimo frequentador das redes – que decida parar para respirar um tema ou aprofundar um debate, ou simplesmente abrandar e ficar quieto a pensar o país, é imediatamente acusado de ter uma agenda escondida e de estar deliberadamente a ignorar todos os outros casos prementes que entretanto apareceram. Obviamente, todos seriíssimos escândalos a que nenhum cidadão de bem deve ficar alheio.
Não sei ao certo até onde esta vertigem pelo novo nos poderá levar, mas duvido que seja para boas paragens. Ver boa parte da classe política em modo Facebook, com comportamentos de claque e num permanente pingue-pongue maniqueísta, é um dos primeiros sintomas e não é bonito de se ver. O que sei é que o jornalismo, daquele que conta, precisa de tempo e a democracia precisa de jornalismo, daquele que conta.
Paulo Tavares
DN opinião 18.06.2017