O coro desafinou…

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A Comissão Europeia publicou esta semana o seu primeiro relatório sobre o estado da república, passado meio ano sobre a conclusão do “programa de resgate”. É a primeira oportunidade para se fazer um balanço geral e distanciado do tão celebrado sucesso das políticas de austeridade que o governo aplicou ao longo de três anos, reclamando total fidelidade ao “memorando de entendimento”, sob a vigilância permanente da “troika” dos credores: o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu. É oportuno relembrar que o “pedido de resgate”, embora tenha sido subscrito pelo governo cessante – já com meros “poderes de gestão” – foi ardentemente desejado, exigido e finalmente imposto pelos partidos da atual coligação de governo, banqueiros alguns grandes grupos económicos, abençoados pelo Presidente da República que se apressou a dissolver a Assembleia e a convocar eleições legislativas antecipadas. O “memorando de entendimento” foi assumido com enorme entusiasmo pelo governo de coligação do PSD/CDS que de imediato o transformou no seu “programa de governo”, adotou a “troika” dos credores como seu único interlocutor, e abandonou todos os compromissos que tinha anunciado na campanha eleitoral. O “programa de resgate” – sempre monitorizado e certificado, passo a passo, pela “troika” – era a receita única e infalível para acabar com o alegado “despesismo” do governo que o antecedeu e para eliminar as deploráveis “gorduras” do Estado.

Durante três anos, o governo ignorou todas as críticas da oposição – acusada de pretender impedir a regeneração do país e a recondução da economia à senda do crescimento e da prosperidade geral – e até se insurgiu contra o Tribunal Constitucional por não aceitar submeter-se ao interesse soberano dos “nossos” credores providenciais. Invariavelmente, durante três longos anos, o governo e a “troika” dialogavam a sós e falavam em uníssono! Pela sua parte, o governo determinou que os seus membros voassem na Europa em classe turística, extinguiu os governos civis, agrupou freguesias, fechou alguns tribunais, reduziu o subsídio de desemprego e vendeu empresas públicas ao desbarato, sem acautelar os interesses estratégicos nacionais. Como era inevitável, os cortes extraordinários em salários e pensões, a asfixia do serviço nacional de saúde e da educação, apesar de brutais, não se traduziriam na prometida redução sustentada da despesa.

Era, por isso, com natural curiosidade e expectativa que se aguardava pelo primeiro balanço dessa miraculosa terapia que, ministrada com esmerado zelo, prometeu a definitiva cura de todas as mazelas e debilidades pátrias. Mas não foi assim! As maleitas afinal persistem e o coro, apesar de repetidamente ensaiado, por fim, desafinou. No relatório da primeira avaliação realizada após a conclusão do “programa de resgate”, a Comissão Europeia afirma, segundo a agência Lusa, que, “no geral, o ritmo das reformas estruturais parece ter diminuído consideravelmente desde o final do programa, revertendo os progressos alcançados em alguns casos”! Censura a atualização do salário mínimo, congelado há mais de três anos, indiferente às premências eleitorais que se avizinham! Responsabiliza o governo pelo aumento do défice estrutural e, além disso, recrimina-o por ter criado dificuldades ao seu trabalho de monitorização e por não prestar as informações requeridas atempadamente.

Simultaneamente, por cá, o Presidente da República congratulava-se com a melhoria “da imagem” do país no estrangeiro. Por seu turno, o primeiro-ministro amplificava a dissonância, afiançando o sucesso das suas políticas e a satisfação dos credores, ao mesmo tempo que proclamava a definitiva superação das dificuldades experimentadas nos últimos três anos e aproveitava a ocasião para agradecer o contributo dado pelas instituições particulares de solidariedade social para cuidar da pobreza que o seu governo tanto se esforçou por disseminar.

Pedro Bacelar de Vasconcelos
Opinião JN 26.12.2014